Teremos um dia que abandonar a relativa proteção que nos dão as nossas casas. Cada dia há menos infetados, menos mortos, menos hospitalizados. A curva achatou e o sistema nacional de saúde não entrou em colapso. A preocupação maior é agora a economia e como pôr tudo a funcionar de novo em pleno. Não vamos pensar tanto nos doentes, mas mais nos desempregados e nas empresas que irão, ou não, sair do estado dormente em que se encontram. Vamos por isso sair cautelosamente de casa e procurar a normalidade que for possível nesse dia.
Nesse dia, que será nas próximas semanas, não haverá ainda uma vacina ou um tratamento para o vírus que causa a Covid-19 e não haverá garantia nenhuma que a pandemia não regresse outra vez, e em pior. Sabe-se até que o mais provável é isso ser já no próximo Outono, quando chegar também, como todos os anos, a gripe comum. Ou mais cedo, se não tivermos cuidado e insistirmos na vida que levávamos antes.
Entretanto, vamos formando e consolidando novos hábitos. Há coisas que começamos a fazer de forma automática, como lavar as mãos com frequência, ou evitar lugares com muita gente, e outras que deixámos de fazer, como dar abraços e beijos, estender a mão para cumprimentar alguém, ir a restaurantes, cinemas, espetáculos, à praia, às muitas reuniões e congregações a que éramos convocados.
Ficámos mais solitários, mais desconfiados dos outros, menos expansivos e mais deprimidos. Há muita gente que não sente calor humano, ou que não socializa, há mais de dois meses.
Estes novos hábitos adquirem-se e ficam, seja em 21 dias, como se pensava antigamente, ou em dois meses, como se julga agora (por exemplo James Clear, em “Atomic Habits”). Quando vier a segunda vaga da pandemia, iremos reforçá-los e perder, talvez definitivamente, os antigos.
Vão reabrir os restaurantes, pelo menos uma parte dos que fecharam. Outros fecharam para sempre. Mas a desconfiança que ganhámos todos não irá fazer-nos hesitar antes de arriscarmos a companhia tão próxima de outros seres humanos? Por outro lado, vai haver menos mesas em menos restaurantes e ninguém vai querer meter-se em filas de espera intermináveis para almoçar.
Vão reabrir também as igrejas, com menos gente. Ninguém vai falar nos milhões de ave-marias que nenhum resultado tiveram, mas muitos pensarão que quando é perigoso ir à missa alguma coisa está muito mal e talvez não mereça a pena voltar.
Ensimesmado, de máscara e luvas, ou então com febre e a tossir, deprimido, descrente ou ateu, só – será assim o homem do futuro?