Demolir não é construir

“A Sé é um imóvel classificado e nos termos do artigo 15º da Lei 107/2001 beneficia automaticamente de uma zona geral de proteção de 50 metros, contados a partir dos seus limites externos”

1. Na Guarda, a propósito da “casa da Legião”, a Câmara Municipal lançou, e bem, uma consulta pública sobre o futuro daquele imóvel (em ruínas). A participação teve a adesão de umas centenas de pessoas, numa ação de vida cívica relevante, em que estão de parabéns os que participaram. «Você pode decidir o futuro deste local» dizia-nos a autarquia e, independentemente do resultado, a decisão teria de ser obviamente do executivo – os políticos, mesmo errando, têm a prerrogativa de escolher e deles devemos esperar o bom-senso, a virtude e a visão de decidir qual o melhor caminho para todos, mesmo quando a maioria pensa de forma diferente. A maioria escolheu o caminho da demolição. Sem surpresa! E o presidente da Câmara tem agora o argumento democrático para implementar a sua escolha: demolir a antiga casa de Amândio Paúl e criar um largo com estacionamento subterrâneo.
A decisão é legitima. Mas é pena que seja esta a escolha. Quando se escolhe demolir, perde-se muito. Perde-se património arquitetónico, perde-se história e perdem-se referências de uma cidade com mais de 800 anos que temos de preservar. O que demolimos deixa de existir, e mesmo compreendendo os diferentes argumentos apresentados, a Guarda não tem assim tanta riqueza patrimonial para se permitir demolir património histórico e cultural. A riqueza de uma comunidade começa, precisamente, na capacidade de preservar e legar às gerações vindouras a sua cultura, o seu património, as suas referências e costumes. E os mais informados, as elites, os eleitos, têm a obrigação de defender o legado de que somos depositários. O progresso também se constrói com a capacidade de integrar e valorizar o legado histórico-patrimonial, mesmo quando não tem uma riqueza evidente, e é dessa forma que se deve contruir o futuro das comunidades.
Agora será pedido o parecer à Direção-Geral do Património Cultural. Os técnicos farão o relatório e deverão recomendar que a demolição não seja autorizada. A Lei nº 107/2001 de 8 de setembro, estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural e, no seu Artigo 43º, define as zonas de proteção (neste caso zona de proteção da Sé Catedral), e estabelece que «os bens imóveis classificados nos termos do artigo 15º (…) beneficiarão automaticamente de uma zona geral de proteção de 50 metros, contados a partir dos seus limites externos». E o Decreto Lei nº 309/2009, de 23 de outubro reitera o definido na Lei 107/2001 e explicita que «é tarefa fundamental do Estado proteger e valorizar o património cultural como instrumento primacial da realização da dignidade da pessoa humana, objeto de direitos fundamentais, meio ao serviço da democratização da cultura e esteio da independência e identidade nacionais», e o Artigo 43.º, sobre o conteúdo da zona especial de proteção, estabelece que a «zona especial de proteção tem a extensão e impõe as restrições adequadas em função da proteção e valorização do bem imóvel classificado, podendo especificar: a) Zonas non aedificandi; b) Áreas de sensibilidade arqueológica com a graduação das restrições, nomeadamente quanto ao tipo de procedimento de salvaguarda de carácter preventivo: c) Bens imóveis, ou grupos de bens imóveis, que: i) Podem ser objeto de obras de alteração, nomeadamente quanto à morfologia, cromatismo e revestimento exterior dos edifícios; ii) Devem ser preservados; iii) Em circunstâncias excecionais, podem ser demolidos» – Ou seja, para demolir os restos do edifício e construir um largo com estacionamento para 50 carros ainda vai haver um longo caminho…
O futuro é hoje, e o que decidirmos hoje, não volta atrás – ainda vamos a tempo de defender a manutenção e requalificação do património arquitetónico e cultural da cidade: Demolir não é construir!

2. A Rádio Altitude comemora no próximo dia 29 de julho o 74º aniversário. 74 anos de vida, de memórias, histórias e afetos. 74 anos de presença na vida coletiva da comunidade guardense e da região. 74 anos de contributos para uma sociedade mais esclarecida, culta e democrática. 74 anos a dar voz às pessoas da Guarda e distrito, da Serra da Estrela, da Beira Serra, da Beira Interior…
Uma rádio que é da Guarda, mas é também de todo o interior do país; que é uma marca reconhecida e respeitada, resultado de uma longevidade e matriz de excelência. Parabéns a todos os que contribuíram para a sua existência, para 74 anos de vida, para todos os que nela trabalharam ou trabalham, para todos os que com ela colaboraram ou colaboram, para todos os que nela confiaram e continuam a confiar e parabéns para todos os que a ouvem e lhe dão razão de ser. Parabéns Rádio Altitude!

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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