Vale às vezes a pena recordar o que é uma democracia. Será votar em eleições livres, ver garantidas algumas liberdades e garantias básicas, como por exemplo o direito de associação e manifestação, a liberdade de imprensa, a igualdade de todos perante a lei, mas também o respeito pela separação de poderes, a aceitação de que pode e deve haver alternância no poder, a liberdade sindical e de associação, a existência de contrapesos ao poder político como por exemplo as entidades reguladoras, o Tribunal de Contas, um banco central, a obediência às leis e a fiscalização da sua aprovação e aplicação. Podemos também ir buscar os valores gerais da Revolução Francesa, como a Igualdade, a Liberdade e a Fraternidade, ou a carta dos Direitos do Homem. Haverá mais critérios, mas sem estes não há democracia.
Muitos tentam reduzi-la à vontade da maioria, expressa numas eleições, muitas vezes em circunstâncias irrepetíveis, vontade que interpretam como uma carta branca para se manterem no poder e fazerem tudo para continuar lá. Foi essa a tentação de Trump, de Bolsonaro, de Erdogan, de Putin, de Jaroslaw Kaczynski, de Nicolas Maduro, de Orbán, de Netanyahu. É essa, em geral e quase sempre, a tentação e estratégia dos populistas, de direita ou esquerda: ganhar o poder e ficar lá.
Reparem como facilmente encontram inimigos: o movimento “Woke” ou a esquerda em geral, as vacinas, o neoliberalismo, os homossexuais, os de outra religião, a imprensa que discorda deles ou os critica, os tribunais pela sua independência, os sindicatos, obscuros interesses que não identificam mas a que acusam de tenebrosas conspirações, os ucranianos, os ciganos, os judeus, os palestinianos.
E notem como em geral falham, recordem como Trump e Bolsonaro causaram milhares (milhões) de mortos ao não seguirem os conselhos dos especialistas durante a pandemia, como os populistas em geral estão a permitir, pela sua inércia ou pelo seu boicote, que as alterações climáticas tomem proporções catastróficas, que as suas sociedades se tornem cada vez mais divididas. Reparem como os países que dirigem ou dirigiram se tornaram cada vez mais desequilibrados e desiguais, como a revolta vai crescendo nos marginalizados e nos esquecidos, em todos aqueles que se convenceram que dali não têm nada a esperar.
Notem também como se dão ares de salvadores, de cavaleiros brancos contra a corrupção, os “poderes ocultos”, o “Deep State”, os nazis, a pedofilia.
Quando saem de cena, espera-se que definitivamente mas depois de tentarem um golpe de estado para ficarem no poder, como Bolsonaro ou Trump, deixam países profundamente divididos e desiguais, em que governaram para apenas o seu lado da barricada, deixaram a Amazónia a arder, os pobres sem proteção contra a doença, o Supremo Tribunal dos EUA infestado de beatos reacionários.
Netanyahu seguiu passo a passo a mesma cartilha. Não tentou ainda um golpe de estado mas tentou submeter o poder judicial de Israel à vontade dos políticos, (como foi feito na Polónia, na Rússia, na Hungria, na Turquia). Sabia que estava sentado num barril de pólvora e achou que o que tinha de melhor a fazer era brincar com fósforos É verdade que não se pode negociar com criminosos ou terroristas, mas pode-se minar a sua base de apoio e no caso era fácil: bastava ter feito os possíveis para melhorar a vida dos palestinianos e garantir-lhes o direito a um Estado, que eles próprios retirariam razão de ser ao Hamas.
Mas veja-se como os governos populistas, no fundo, acabam por soçobrar na sua própria incompetência: Netanyahu, pensando apenas no seu próprio futuro, interessado apenas na sua limitada e destrutiva agenda, não soube ver o que aí vinha e tem agora uma guerra pela frente.
Demasiado populismo
“Notem também como se dão ares de salvadores, de cavaleiros brancos contra a corrupção, os “poderes ocultos”, o “Deep State”, os nazis, a pedofilia.”