Dar o ouro ao banido

“Finalmente, já tão descrente que fui apanhado de surpresa pelas notificações do telefone, depois de uma tarde em sítio ermo sem rede ou internet, uns ciclistas com a camisola de Portugal no lombo e dorsais com nomes de agro-pecuária – Oliveira e Leitão – ganharam uma prova olímpica.”

Finalmente, já tão descrente que fui apanhado de surpresa pelas notificações do telefone, depois de uma tarde em sítio ermo sem rede ou internet, uns ciclistas com a camisola de Portugal no lombo e dorsais com nomes de agro-pecuária – Oliveira e Leitão – ganharam uma prova olímpica.
Essa prova olímpica consiste em andar às voltas numa bicicleta, dar a mão ao colega de equipa, amealhar pontos de vez em quando e, principalmente, não se esbardalharem. Os franceses e os italianos, por exemplo, foram de nariz ao chão com grande exuberância, pois são povos que lidam mal com a discrição.
Note-se que, ao contrário do breakdance, da natação sincronizada, ou da ginástica rítmica, tudo espectáculos de dança que deviam estar no Chapitô, no Cirque du Soleil ou no “Got Talent” Portugal, os pontos que as equipas ganham nesta competição não são atribuídos por jurados como nos “Ídolos”, mas conseguidos de forma muito objectiva. A malta da dança tem de decidir se querem ser artistas ou desportistas, já que muito dificilmente Serralves exibirá um recital de badminton ou veremos no Centro Cultural de Belém uma instalação da estafeta mista 4×400 metros.
Enquanto nas provas artísticas os dançarinos podem achar que a sua rotina foi melhor do que a do adversário, no desporto a sério não há lugar para essas pieguices. – Oh, mãe, estive tão bem, acho mesmo que devia ter sido eu a ganhar esta prova. – Pois, filho, mas chegaste em 45º lugar, meia hora depois do vencedor.
A corrida ganha pelos ciclistas portugueses, que só os comentadores habituais da Eurosport conheciam, chama-se madison, um nome associado a um sítio na internet – bem mais popular na América do que o ciclismo de pista em Portugal – por vender um serviço discreto de encontros para pessoas casadas, permitindo dessa forma que pudessem praticar o sexo com quem mais se identificam em vez daquele que lhes fora atribuído à nascença do matrimónio.
Terá a prova do madison alguma relação com ashelymadison.com? Pelo menos, são duas pessoas a andar ali às voltas a ver se sacam alguma coisa, e quando um deles está mais fatigado, chega perto do outro, dá-lhe a mãozinha, como quem diz, “agora vai tu, que eu preciso de descansar”. E diz quem percebe de cada uma – poderá haver quem perceba de ambas, mas nunca encontrei – que o resultado é sempre surpreendente. É que tanto podem ser dois valentes ciclistas do Norte, como dois panhonhas adúlteros do Nebraska.
Para terminar a analogia, quer os nomes dos portugueses que ganharam a medalha de ouro no madison como os nomes dos americanos que andavam a marcar pontos no ashleymadison.com acabaram, com grande pompa, a abrir telejornais e a fazer as delícias da imprensa cor-de-rosa.
Diz quem sabe que este sucesso no ciclismo se deve ao grande investimento na pista de Sangalhos. Se for verdade que as infra-estruturas são fundamentais para o sucesso desportivo, há muito trabalho a fazer. Sendo os próximos Jogos na Califórnia, julgo que o Comité Olímpico devia dar atenção prioritária ao surf e optimizar as condições das ondas na Nazaré.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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