Dar à língua

«No fundo, este idioma, com profundas raízes rurais, segue a mesma tradição das aldeias portuguesas, onde toda a gente sabe muito bem o que que dizer “o meu homem”.»

No dia em que o jornal sair para as bancas, já estarei devidamente documentado pelo governo lituano como um residente legal. Assim sendo, a minha vida como delinquente acabou por ser de curta duração, e mesmo a proposta que fiz no submundo do crime de vender clandestinamente os poucos livros que trouxe foi liminarmente recusada pelo facto de as livrarias já estarem abertas. Depois venham-me falar de empreendedorismo.

Entretanto, vou aprendendo algumas palavras em lituano. Ao contrário do que nós fazemos aos estrangeiros, os bálticos não me ensinam palavrões. Sei, por exemplo, dizer espuma – “puta” – e rei – “karalius”. Daí que mandar alguém ao feudo dos reis – “karalių feodas” – é visto como uma extrema simpatia, e a utilizadíssima expressão portuguesa “escolhe, espuma” tem a fácil tradução de “puta parinks”.

Uma curiosidade desta língua é haver diversidade vocabular para diferenciar mulher, “moteris”, humano do género feminino, de mulher, “žmona”, alguém casada com outra pessoa, mas não existir a distinção portuguesa entre homem e marido. Ambos são “vyras”. (Para quem sabe inglês, a diferença entre “moteris” e “žmona” é a mesma que entre “woman” e “wife”; para quem não sabe, não arrisco explicações, que a vida em 2021 não está para isso).

No fundo, este idioma, com profundas raízes rurais, segue a mesma tradição das aldeias portuguesas, onde toda a gente sabe muito bem o que que dizer “o meu homem”.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

** Nuno Amaral Jerónimo está em Vilnius a convite da Vilnius Tech University

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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