Da COP29 à eleição de Trump

“2024 está a caminho de ser o primeiro ano a ultrapassar o aumento de 1,5ºC em relação à era pré-industrial”

As cimeiras das Nações Unidas sobre o clima já se realizaram 28 vezes, mas, 30 anos depois, as emissões de gases com efeito de estufa continuam a aumentar e o ano passado foi o mais quente já registado. E o de 2024 está a caminho de ser o primeiro a ultrapassar o aumento de 1,5ºC (+1,5ºC) em relação à era pré-industrial.
Estranhamente, ou talvez não, a 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP29) decorre de 11 a 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão, o que significa que a cimeira da ONU sobre o clima se realiza pelo terceiro ano consecutivo num país que produz petróleo ou gás, que, em conjunto com o carvão, são das principais causas do aquecimento global.
A COP29 iniciou-se duas semanas depois da divulgação de um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), que indica que os níveis dos três principais gases com efeito de estufa (GEE) que contribuem para o aquecimento global – dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) – voltaram a aumentar em 2023.
Segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC), o aquecimento global está a causar cada vez mais alterações, e nalguns casos irreversíveis, nos padrões de precipitação, nos oceanos e nos ventos em todas as regiões do mundo. Na UE e em todo o mundo verifica-se um aumento da frequência e da intensidade de eventos meteorológicos extremos, como vagas de calor, inundações ou incêndios florestais.
As chuvas torrenciais da Comunidade Valenciana (Espanha) puseram em evidência as fragilidades e a incapacidade de o ser humano dominar a natureza. Puseram em evidencia os muitos erros de urbanismo que implicam essa incapacidade de evitar tragédias. E puseram em evidência que as mudanças climáticas podem acarretar flagelos cada vez mais intensos, incontroláveis e catastróficos.
As cheias diluvianas de Valência foram mais uma mostra a que o mundo devia responder com uma agenda climática de urgência. Mas não é isso que ocorre. Muitos dos principais dirigentes mundiais optaram por nem sequer ir a Baku, de Úrsula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, preocupada com a sua reeleição, a Emmanuel Macron, passando por Lula da Silva, que teve um traumatismo craniano recentemente, ou os mais altos representantes do Canadá, da China, Índia, África do Sul, Japão ou Austrália. E também não irá a Baku Joe Biden ou Donald Trump, eleito presidente dos Estados Unidos.
Donald Trump, que ganhou as eleições americanas de forma arrasadora, acha que as alterações climáticas são um mito para prejudicar os interesses do país e quer aumentar a extração de petróleo. Na América, como por todo o mundo, as “maiorias”, “as massas”, não estão preocupadas com as alterações climáticas – cujo debate está excessivamente polarizado e é dominado pela esquerda elitista. Como salientou um leitor do jornal Público, quem elegeu Trump «foram os “hillbillies”», o “povão”, os pacóvios, que deixaram de dar ouvidos às elites, aos “educated people”, aos que de forma arrogante têm menosprezado as massas – como escreveu Ortega y Gasset, há cem anos, o “homem-massa” «sentindo-se vulgar, proclama o direito à vulgaridade e nega-se a reconhecer instâncias superiores a ele» (in “A Rebelião das Massas”). O mais grave é que a rebelião das massas ocorre por todo o lado, com o crescimento do populismo, dos nacionalismos e do negacionismo – tanto que as alterações climáticas vão sendo secundarizadas. “A casa comum” do Papa Francisco vai ficando abandonada e sem defensores.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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