Está em discussão pública um documento emanado do Ministério da Justiça designado de “Estratégia Nacional de Combate à Corrupção/ 2020 – 2024”. Na introdução ao documento é dito que: «O combate à corrupção é essencial para o reforço da qualidade da democracia e para a plena realização do Estado de Direito e deve ser realizado de forma holística e ponderada».
Para além da narrativa que parece querer florear o documento há, no entanto, um aspeto preocupante que importa referir. Diz-se que se vai procurar uma forma holística para a estratégia do combate à corrupção. Ora parece-nos um caminho muito vago e sem objetivos claros para um desafio de tal envergadura. Só fará sentido falar de uma forma holística se quiser que se tome a estratégia como uma forma engenhosa, ardilosa e enganadora de atingir as causas da corrupção. Como é possível dizer-se que a estratégia seja a do combate à corrupção e considerar apenas o todo sem considerar as partes que são os pilares da corrupção? Diz ainda o documento que «O programa do XXII Governo Constitucional inscreve entre os seus objetivos fundamentais o combate ao fenómeno da corrupção, tornando a ação do Estado mais transparente e justa, promovendo a igualdade de tratamento entre os cidadãos e fomentando o crescimento económico». Como se pode falar de transparência dos atos do Estado quando, numa qualquer ação cívica de um cidadão, que procure conhecer determinados atos públicos, logo as instituições em causa recorrem a subterfúgios para esconder documentos.
É dito que para uma boa estratégia de combate à corrupção se deve atuar a montante do fenómeno, prevenindo a existência de contextos geradores de práticas corruptivas. Ora é precisamente nesses contextos que se devia atuar de forma incisiva. Ficam as intenções, mais uma vez, para que pareça que alguma coisa mudou. Há muitos contextos que contribuem para o aumento da corrupção. Para uma primeira abordagem falo de três, mas obviamente que há muitos mais. O primeiro de todos, mas que ninguém ousa acabar, são os ajustes diretos. A maior e mais profícua prática da corrupção. Utilizam-se as mais elaboradas justificações para a sua consecução. Tudo em prol do interesse dos envolvidos. Outro contexto tem a ver com a classe dirigente das instituições que as governam e se governam. A maioria são “chefes de fila” dos partidos que sub-repticiamente se foram promovendo à pala dos favores eleitorais como a compra de votos e a colagem de cartazes. É gente incompetente que só vê na ganância a forma de atingir os seus objetivos. Concursos não há. E quando os há já têm destinatários. O recurso à famosa e execrável entrevista determina tudo. Mais e mais corrupção.
Depois lá vem a desculpa de sempre para esconder a incompetência: falta gente qualificada! Pudera, os incompetentes já lá estão. Acabe-se de vez com esta forma concursal que promove os agentes partidários e definam-se regras próprias para a gestão das instituições. Por fim, referir que o móbil da corrupção está na forma organizativa das avaliações dos subalternos. As tão famosas avaliações internas dos funcionários só promovem a subserviência aos “chefinhos” que determinam o que pode e não pode ser feito no seu próprio proveito. Quem denunciar o quer que seja é ameaçado e quiçá enviado para um qualquer degredo. Para que se tenha ideia dos valores envolvidos no flagelo nacional da corrupção em Portugal lembrar que se perdem anualmente mais de 18 milhões de euros que podiam e deviam servir para uma melhor saúde, melhor educação, melhor segurança social, mas que satisfazem os mesmos de sempre. É fácil de perceber que os mais de 18 milhões de euros roubados, se fossem distribuídos pelos cerca de 2 milhões de portugueses em risco de pobreza equivaleria a um valor anual por pessoa de 9.100 euros, ou seja, 750 euros por mês, 25 euros por dia. Quando a ministra Van Dunem vem dizer que a corrupção não se combate com repressão a continuidade do serviço está assegurada. Muito provavelmente a ministra deve achar que a corrupção deve ser premiada e gratificada, ainda mais, com a “medalhinha” do 10 de Junho. Este país não tem emenda. A corrupção é a forma mais eficaz de minar e destruir as democracias.