Convenções e natureza

Escrito por Diogo Cabrita

“A sociedade define-se num sistema legal que balizaria as relações humanas, mas agora estende-se às intenções e coloca fronteiras a minudências.”

Polémico é saber que a minha avó casou feliz aos 13 anos, teve o meu pai com 14 e não havia qualquer história de pedofilia em 1925. Depois há a literatura e a pintura onde Lolita, de Nabukov, é uma elegia do amor carnal infantil e onde a pintura de Donald Zolan ou Auguste Renoir podem ser criminalizadas nas convenções de hoje. O mundo de hoje está a construir uma cerca moral legislada que substitui a moral cristã que passava de boca em boca, e aparentemente existe expressa algures na região frontal de todos os humanos.
Há um comportamento imoral no envelhecimento demente que sempre me incomodou e hoje percebo melhor graças ao incrível Damásio e seus textos. O antigo juiz “frontalizado”, desbragado a exibir o sexo na cama de onde não sai. A mulher de sacristia a despir-se enquanto defeca a caminho da banheira. O médico demenciado a pintar de trampa o quarto. A instituição hospitalar tem muita coisa feia que os cidadãos não gostariam de testemunhar.
A sociedade define-se num sistema legal que balizaria as relações humanas, mas agora estende-se às intenções e coloca fronteiras a minudências. Temos de legislar sobre os cães, a curva da banana, o tamanho da maçã, o arrumo dos alimentos no frigorífico. Alimentamos com grupos de trabalho as minorias cheias de certezas que procuram modos normativos de obrigar todos os outros às suas exigências. Temas brutais: tourada, prostituição, casamento poligâmico, legalização de todas as drogas, limitação de animais domésticos, aquecimento global, produção de carne animal, limitações da liberdade em pandemia. Há cada vez mais.
As convenções entram em rotura com a natureza que violentamente prossegue o seu caminho. Muitas meninas de 13 anos têm corpos do tamanho das mães, com mamas maiores que as das mães, exibem-se incontroladas nas redes sociais, expõem-se sem pudor. São naquele momento mulheres e, pela natureza, fêmeas capazes de procriar. A realidade que os legisladores e o sistema moralista vigente não compreende é que apesar de todas as convenções e formações somos sempre animais. Também esquecemos que a maioria da humanidade não vive na Europa nem nos Estados Unidos, não se rege por nossas leis. Casam crianças que menstruam com homens mais velhos e chocam as convenções. Comem cães e chocam o PAN. Vendem em bancas de rua sem regras higiénicas e chocam a ASAE. Têm hotéis e hospitais de luxo sem água potável e deixam a ERS sem palavras.
Este artigo desassombrado não me coloca fora da fronteira europeia, mas reflete sobre a convenção, a estrutura formatada e a vozearia que hoje atravessa quase todos os temas da sociedade. Quando olhamos a tradição cigana há inúmeros casamentos como o da minha avó. Quando, indignados, observamos o Afeganistão estamos a esquecer a realidade das circunstâncias. Lançamos chuveiros de moralidade bibliográfica e científica sobre o charco pantanoso da natureza. Na natureza não há pena, nem perdão, nem custo-benefício, nem demagogia. Menstrua? É fêmea. Tem força para afastar os outros? Manda. Distrai-se na floresta a ler filosofia, a contemplar o rio? – Morre.

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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