Com quatro olhos

Escrito por Diogo Cabrita

“A liberdade de dizer essas alarvidades é terapêutica pois lava o rancor, expõe a dor, cansa o ódio.”

Se me perguntarem o que penso de um violador, direi o mesmo que vós quando abris a boca sem filtros. Se me questionardes do pedófilo que pôs a minha menina no colo? Bem, a força da irracionalidade grita. Se depois de matarem alguém que amo me perguntarem o que quero do assassino, lá golfará a toleima, sem história, sem cultura. A emoção é uma coisa que brota sem filtros e que carece de arreios e freios. A liberdade de dizer essas alarvidades é terapêutica pois lava o rancor, expõe a dor, cansa o ódio. Precisamos “deitar fora” e ter quem ouça. Terapia da vozearia. Por tudo isto Portugal precisa caminhar no sentido de aproximar a vítima do criminoso. A APAR representa também aqueles presos que cometeram violências inomináveis e maridos agressores. Há a APAV que fala pelas vítimas. A Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso não elogia o crime, nem discute as penas infligidas, nem deixa de ter opinião sobre a barbaridade de alguns crimes e seus autores, mas o que a move é o cumprimento das penas em dignidade e com vista à reabilitação. A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima também exerce uma luta pela dignidade das vítimas e o apoio fundamental à sua recuperação. Nós estamos na fronteira das emoções. Somos ambas associações que defendem os direitos das pessoas e as duas sabemos que nem os meus protegidos são todos maus, nem os defendidos por eles são todos bons. Entre vítimas e agressores há em mais de 60 por cento das vezes relação direta e de grande proximidade. Muitos crimes são cometidos por doentes, gente com cérebro muito pequenino, pessoas de míngua intelectual. Claro que há exceções, e há gente infinitamente má. Mas também há quem tenha nascido para ser vítima (outras exceções) ou por doença, ou por erro comportamental, ou por parca intelectualidade ou porque sabe manejar esse estatuto com benefícios. O mundo é um cubo de que nunca vemos os seis lados, mas com dois observadores vemos tudo.

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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