1. Não me apetecia escrever uma palavra sobre José Eduardo dos Santos. Porém, sinto vergonha alheia. Uma pessoa pasma com o que por aí se diz sobre o “estadista” angolano. As nossas figuras de estado, partidos políticos e muitos dos comentadores preferem destacar o lado positivo do ditador. Um “homem de paz”, ouvi aqui e acolá. Isto daria vontade de rir se não fosse uma tragédia para os angolanos. Eduardo dos Santos foi apenas mais um daqueles ditadorzecos corruptos, sem escrúpulos e sanguinários, um marxista-leninista de formação que roubou tudo o que pôde enquanto prometia “amanhãs que cantam” a um povo que deixou numa miséria abjeta. Ao menos, tenham vergonha e calem-se.
2. Por incrível que pareça, há portugueses que decidem adoecer em agosto. Há portuguesas a querer dar à luz sem primeiro verificar a escala de obstetras das urgências. Há mesmo portugueses a comer (segurem-se) bacalhau à Brás em piqueniques no Verão. Inacreditável. Há portugueses a andar de comboio em dias de calor, ignorando as indicações superiores. Há portugueses (e estrangeiros) a insistir em viajar de avião e a frequentar os nossos aeroportos. Há portugueses com comportamentos irresponsáveis que provocam os incêndios.
Estes são apenas alguns exemplos dados, nos últimos tempos, pelos nossos queridos líderes sobre a longa lista de irresponsabilidades dos portugueses. Assim é difícil. É bom de ver que nem o melhor SNS do mundo consegue aguentar tanta irresponsabilidade. Em geral, o Estado português é excelente e os nossos governantes são os melhores dos melhores do mundo. O povo português é que não ajuda, atrapalha, e não merece a sorte que tem.
3. Em qualquer parte do mundo, a televisão sofre sempre da mesma incapacidade crónica: só consegue tratar de um assunto de cada vez, é monotemática. Depois de dois anos a falar de Covid-19, sucederam-se mais de quatro meses a discutir a guerra na Ucrânia. Agora, o que está a dar são os incêndios. Claro que, aqui e acolá, intrometem-se pelo meio outros temas, como a inflação, o caos de serviços públicos como o SNS, ou a novela à volta do novo aeroporto. Porém, estes assuntos são tratados como epifenómenos.
Pandemia, guerra, incêndios. Que tragédia virá a seguir? Entretanto, a guerra na Ucrânia continua sabe-se lá até quando e a pandemia ainda não se extinguiu, ao ponto de Portugal aparecer, neste momento, no fundo de todas as tabelas internacionais em termos de indicadores relativos à Covid-19.
Moral da história? Se quer estar minimamente informado, a televisão não é o melhor meio para encontrar a informação de que precisa.
4. SNS, incêndios florestais, dívida pública, crescimento económico anémico. O que é que tudo isto tem em comum? De acordo com os nossos governantes, são “questões estruturais”. O que é que isto significa? Significa que eles não têm culpa nenhuma do que se passa. Ninguém lhes pode pedir para resolver problemas cujas origens se perdem no fundo dos tempos. Eles, coitados, fazem o que podem, mas é quase impossível contrariar a força das “estruturas”, entidades maléficas, que não se sabe bem onde começam e acabam, invisíveis ou difíceis de detetar, insidiosas, subterrâneas, imprevisíveis. Enfim, coisas do diabo.
* José Carlos Alexandre está de regresso a O INTERIOR para escrever quinzenalmente este Verão