Cidadão europeu

“Ninguém como António Costa tem a capacidade para fazer as “pontes” entre os diferentes interesses europeus”

Diz-se que António Costa gosta de citar um conselho que António Guterres lhe deu: «A primeira missão de um político é não criar problemas, a segunda é enfrentá-los e a terceira é transformá-los em oportunidades». E o antigo primeiro-ministro tem seguido à letra o conselho. Qual alquimista da política, transformou cada um dos infortúnios em motivos de sucesso e cada vez que caiu levantou-se sempre com renovada energia.
Foi assim que o novo Presidente do Conselho Europeu chegou a líder do PS, criticando a vitória por «poucochinho» de Seguro; e foi assim que quando perdeu para Passos Coelho, em 2015, juntou a esquerda e inventou o impossível, a “geringonça”, agregando BE e Partido Comunista; e foi assim que quando o famoso parágrafo da PGR o envolveu na “Operação Influencer”, ditando o fim do governo maioritário do PS e a demissão do primeiro-ministro, o deixou liberto do compromisso governamental, escancarando-lhe as portas da candidatura ao Conselho Europeu no momento certo – como diria Ortega y Gasset, o homem é ele e a sua circunstância, e as circunstâncias do antigo secretário-geral do PS têm sido sempre de saber reagir às contrariedades e aproveitar as oportunidades. Portugal pode não ganhar diretamente (nem tem de ganhar; nem pode ganhar) pela sua escolha para liderar a Europa, mas sempre nos podemos regozijar pelo sucesso de um português.
Mas muito mais do que isso, é a Europa que vai ganhar, pois ninguém como António Costa tem a capacidade para fazer as “pontes” entre os diferentes interesses europeus – o Conselho tem cada vez mais de ser liderado por quem possa encontrar consensos, que tenha o engenho e a capacidade de diálogo e saiba gerir e gerar equilíbrios junto das diferentes famílias europeias – e isso é determinante para o futuro da Europa, ainda mais quando os extremistas somam apoios em diferentes países, e em especial em França (onde o centro eclipsou e o próximo Governo será da extrema direita ou de extrema esquerda).
António Costa será ainda uma oportunidade para a paz na Europa (não será Úrsula Von der Leyen, presidente da Comissão, ou Kaja Kalas, nova responsável pela diplomacia europeia, que poderão promover a aproximação e o diálogo com a Rússia) – esperemos.

PS 1: No passado dia 1 faleceu o grande Fausto, um dos maiores músicos portugueses. O autor de “Por Este Rio Acima” tinha o condão dos génios. Como escreveu João Bonifácio, «fazia música de autor a partir de música sem autor (o chamado folclore)», era o mago da composição que pegava no fado, no folclore, na marrabenta, fazia música popular portuguesa com cheiro a África. O mago da composição morreu, mas ficou a imensidão da obra.
Fausto dizia sempre que tinha nascido no meio do Oceano Atlântico, a bordo do navio “Pátria”, em viagem para Angola, país para onde foi ainda bebé, mas nasceu e foi registado a 26 de novembro de 1948, em Vila Franca das Naves, localidade onde a sua mãe era professora primária e onde está sepultada a sua avó materna. Foi o próprio Fausto que, 73 anos depois, o recordou, num concerto emotivo, no palco do TMG, a propósito dos 822 anos da Guarda (a 27 de novembro de 2021). O concerto partia da “Madrugada dos Trapeiros”, mas o cantautor veio cantar os parabéns a uma cidade que também foi sua surpreendendo o público, que esgotou o grande auditório do TMG, revelando as suas peripécias infantis com o seu irmão quando viviam na cidade mais alta. Como então escrevi (https://www.facebook.com/share/rMtHNKAJjzxVHeJg/) «Fausto, veio cantar os parabéns à Guarda. Foi um grande concerto de música popular portuguesa e de canção de intervenção. Mas foi também uma noite sentimental em que Fausto, foi o Fausto Bordalo Dias de Vila Franca das Naves, o filho da professora Alice, o sobrinho da Dona Mariazinha, que ele recordou em palco de forma emotiva. Com lágrimas nos olhos, Fausto recordou a sua terra natal, o seu irmão que nasceu na Guarda e os tempos em que estudou no antigo liceu da Guarda. Foi uma grande noite para ele e para os vilafranquenses que nos emocionámos e aplaudimos enquanto recordávamos as muitas histórias que na nossa infância ouvimos sobre a mãe do nosso grande músico, vizinha da minha família, que nos anos 50 ensinou a ler e escrever muitas crianças da nossa vila. Obrigado Fausto!».

2. Dia 30 de junho morreu Manuel Cargaleiro, mestre ceramista, o “pintor das cores”, era dos mais reconhecidos artistas portugueses. Natural de Chão das Servas, no concelho de Vila Velha de Ródão, no distrito de Castelo Branco, foi um grande pintor e renovador da azulejaria portuguesa – foi o autor do maravilhoso mural em azulejos no pátio exterior dos antigos Paços de Concelho da Guarda (atual CIMBSE). Tinha 97 anos. Até sempre.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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