Carta aberta ao Exmo. Ministro da Saúde

Escrito por José Valbom

Ex.º:

Seja bem-vindo à Guarda. As gentes da Beira Interior cumprimentam-no afetuosamente.

Vamos falar de Saúde na Guarda:

A – NÍVEL ESTRATÉGICO (Assunto de Ministro)

A ULS – Guarda constituída por 2 Hospitais, 13 Unidades Cuidados de Saúde Personalizados, 1 Unidade de Saúde Familiar, 1 Unidade de Saúde Publica, 2 Unidades de Cuidados Continuados e 1 Unidade de Paliativos distribuindo-se numa área de 712 quilómetros quadrados… Abrange 150 mil utentes, uma população muito envelhecida.

Os cuidados de saúde primários cumprem, razoavelmente, todos os critérios de qualidade delineados.

Já em relação aos cuidados hospitalares há assuntos que merecem referência.

A resolução do Conselho de Ministros nº 140/98 de 4 de dezembro cria a Faculdade de Ciências da Saúde na Beira Interior assinado simbolicamente por uma só pessoa – António Manuel de Oliveira Guterres. Um Estadista.

Aí se afirma que «integra o Hospital Cova da Beira e integrará as restantes unidades do Distrito de Castelo Branco e Guarda que se revelem necessárias ao prosseguimento deste objetivo, nomeadamente os hospitais de Castelo Branco e Guarda”. Fica salvaguardado o objetivo de paridade entre os hospitais.

Assim, temos estado, até que de forma inopinada, em 3 de agosto de 2018 (em período de férias passam sempre melhor estas coisas!). O Decreto Lei nº 61/2018 de 3 de agosto estabelece o regime jurídico aplicável aos centros académicos clínicos criando condições para o desenvolvimento de forma integrada, as atividades assistenciais de ensino, de investigação clínica e de translação.

Fica consagrada a possibilidade dos profissionais de saúde destas unidades, prestadoras de cuidados de saúde integrada nestes centros académicos clínicos poderem dedicar até 30% do período normal de trabalho semanal a atividades de investigação clínica, de translação e de ensino no âmbito do respetivo centro académico clínico.

O presente Decreto-Lei qualifica o respetivo serviço, desenvolve qualitativa e quantitativamente o corpo clínico, acredita a investigação e reforça o financiamento do respetivo centro académico.

O Centro Hospitalar da Cova da Beira passa a Centro Hospitalar e Universitário da Cova da Beira, e bem. Todos concordamos.

Não concordamos e não percebemos o porquê do esquecimento de igual tratamento para a Guarda e Castelo Branco.

De facto, na Guarda, Hospital com área de influência com mais utentes que a Covilhã, decorrem mais horas de docência para a Faculdade de Medicina, e tanta ou mais investigação desde a mesma altura e com igual empenho. Castelo Branco será uma realidade análoga.

É urgente que Vª Exª e o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior reponham o estatuto de paridade.

Estas duas estruturas organizacionais devem dar os passos necessários – Acreditação de serviços e unidade de investigação e desenvolvimento – para garantirem formas inovadoras de assistência, ensino, investigação clínica e translação e serem avaliadas por isso. Nunca excluídas, à partida, sem avaliação sendo condenadas à 2ª divisão – no que aos financiamentos diz respeito –, dos hospitais da Beira Interior.

Este é também o interesse estratégico da Faculdade de Ciências da Saúde/UBI.

É fundamental para a Faculdade de Medicina que os três hospitais/escola estejam cooperantes com a mesma qualidade clínica e de investigação, por várias razões:

1) Como investigar, como publicar com qualidade estudos com uma base populacional inferior a 100 mil utentes (Covilhã sozinha);

2) Como explicar unidades de ensino/investigação com condições de base diversa e acreditações diferentes na mesma faculdade;

3) A heterogeneidade entre hospitais pode levar a tentativas de não cooperação – se algum hospital da Beira Interior referenciar doentes para fora desta zona enfraquecemos todos. Todos somos poucos;

4) Nas próximas décadas, pela macrocefalia deste país, seremos menos. Não podemos esquecer que todos juntos e cooperantes somos menos de 400 mil. Rácio que internacionalmente e, mesmo por critérios das faculdades do litoral, é pequeno para mantermos uma faculdade de medicina e algumas especialidades médicas hospitalares. Não podemos dar argumentos para desvalorizar a nossa faculdade e os nossos serviços;

5) A Faculdade deve posicionar-se, estrategicamente falando, acima em ensino/investigação/publicação, articulando com todos, em estatuto de clara paridade;

B – NÍVEL TÁCTICO (Ministro/ARS/ULS Guarda)

O Prof. Correia de Campos, – Ministro da Saúde acabou com uma discussão estéril no distrito da Guarda – “Hospital novo ou um novo hospital?!”

Em maio de 2007 na Guarda explicitou o hospital e as suas valências. Por questões concursais separado em duas fases. Sublinhe-se: um só hospital, um só programa. O necessário e suficiente para uma população de 150 mil habitantes, bem como a requalificação de edifícios históricos.

Conclui-se a 1ª fase.

A seguir a um ministro vem um contabilista. O Dr. Paulo Macedo, com visão curta, anula a 2ª fase. Prejudica-se a população do distrito da Guarda. Mesmo olhando só para números a opção é duvidosa. De facto, o custo estimado da 2ª fase (cerca de 45 milhões de euros), tinha financiamento externo de 85% cabendo à comparticipação nacional 6.750.000 euros. Se a construção tivesse sido realizada, estimando os dividendos para o país em IVA e IRS (em termos médios de 20%) os cofres arrecadariam 9 milhões de euros. A matemática diz-nos que a não construção da 2ª fase é também um prejuízo económico.

C – NÍVEL OPERACIONAL (ULS Guarda)

Temos falta de Médicos. Já foi pior.

De vez em quando há problemas de relacionamento entre profissionais e Conselho de Administração. No fundo, como em todas as Instituições desta dimensão. São assuntos de casa e em casa devem ser resolvidos. Pouco mais pode fazer que aconselhar-nos diálogo.

D – SINTESE

Solícito, a V.Ex.ª e ao seu colega, Manuel Heitor a resolução do problema a nível estratégico.

Qualificação como Centro Académico e Universitário.

Decisão fundamental para o futuro, com valor preditivo, definindo com precisão se o Hospital Sousa Martins é bom ou mau tem técnicos superiores jovens, ou não, a 10 /20 anos.

Vª Ex.ª e o Sr. Ministro das Finanças avancem com a segunda fase, ainda que reformulada.

Exª, decida. Ponha a sua pegada de Estadista no Distrito da Guarda de forma a que os concidadãos da minha idade adotem as palavras de Zeca Afonso (Venham mais cinco:):

«Não me obriguem

A vir para a rua

Gritar»

E negue a profecia para os nossos filhos:

“Que é já tempo

D’embalar a trouxa

E zarpar”

Respeitosamente.

Por: José Valbom

* médico

Sobre o autor

José Valbom

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