A maioria dos problemas que enfrentámos nas nossas vidas nunca existiu verdadeiramente. Por outras palavras, esses problemas apenas existiram no interior das nossas mentes. Mas a dor que eles provocam, essa é bem real. Lá longe, Séneca já tinha concluído que sofríamos mais na nossa imaginação do que no mundo exterior.
Muitos desses problemas advêm da dificuldade de lidarmos com a complexidade do fluxo temporal. Os nossos pensamentos estão constantemente a ser canalizados para remorsos e saudades do passado e para antecipações e ansiedade em relação ao futuro. E, enquanto seres conscientes, experimentamos dor quando pensamos sobre arrependimentos do passado e receios futuros.
Assim se vai o presente afundando no passado e drenando para o futuro. Assim se desperdiça tudo o que, em verdade, possuímos.
Tudo o que do passado recordamos só existe agora, no presente, sob a forma de memórias. É nesse formato que sobrevivem, por exemplo, os bons momentos que passámos com aqueles que amamos, mas que já partiram. Por seu turno, tudo o que o futuro nos haverá de entregar ainda não está nas nossas mãos. Os planos para o amanhã e para o depois de amanhã mais não são do que previsões com a data de hoje.
Por isso é que Bernardo Soares fazia questão de afirmar poeticamente que vivia sempre no presente. Ao semi-heterónimo de Fernando Pessoa pouco lhe importava o que já não tinha (passado) e o que ainda não conhecia (futuro).
Talvez só sejamos verdadeiramente livres quando formos capazes de nos soltar das amarras do passado e das correntes do futuro, vivendo plenamente o dia de hoje.
Mas, mesmo focados no presente, o desperdício do pensamento prolonga-se. São constantes as preocupações com forças e agentes que não controlamos e a atenção a processos para cujo o desfecho somos impotentes. Quanto mais almejamos essas estranhas formas de omnisciência e omnipotência, mais prolongamos o naufrágio nesse inavegável mar de tormento.
Só existe o presente e uma parte do presente é tudo o que de verdadeiramente dispomos. Mesmo assim, ou o presente é perfeito ou mais-que-perfeito ou nada o foi ou poderá ser.
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