Barrocos e orgasmos

Escrito por Elsa Salzedas

Ciência, estética e ética. Sem conhecimento não há estética e sem esta não há ética

Quanto valem os nossos Barrocos? Serão belos? Serão monumentais?
Aqui pela região da Guarda usamos este termo quando nos referimos aos Caos de Blocos Graníticos, mais ou menos arredondados, amontoados ou dispersos na paisagem que, quando localizados no topo de um monte, ganham a designação de Cabeços.
“Barrocos” é um termo nosso, regional, no máximo, fronteiriço, pois nuestros hermanos também usam o termo Barruecos, tendo até Parques Naturais com observação e interpretação da paisagem com Barruecos, como O Museu Vostell Malpartida, no Parque Natural Los Barruecos, em Cáceres, que atrai milhares de visitantes.
Por cá, a paisagem de Barrocos está em puro estado selvagem, de matagal, que volta e meia arde, sem qualquer tipo de valorização. Barrocos há muitos e passamos por eles com total indiferença, não reparando na sua beleza, talvez porque pouco entendemos desta paisagem.
Peter Singer, filósofo e professor na Universidade de Princeton escreveu em tempos: «Contemplei quadros do Louvre e em muitas outras grandes galerias da Europa e dos Estados Unidos. Creio que tenho um razoável sentido de apreciação das belas-artes. Contudo, não tive em museu algum experiências que tivessem preenchido o meu sentido estético a tal ponto realizantes como quando caminho por um cenário natural e faço uma pausa para admirar do alto de um pico rochoso a paisagem de um vale coberto de floresta (…). Creio não ser o único a sentir tal exaltação; para muita gente, a Natureza constitui a fonte dos mais altos sentimentos de emoção estética, elevando-se a uma intensidade quase espiritual».
Ora, estes sentimentos de emoção estética, não surgem por geração espontânea. Estão ligados ao conhecimento, à ciência, ao entendimento da paisagem e só assim, à sua valorização.
A este respeito, Arnold Berleant lembra que «na natureza, tal como na arte, o feio tem também a sua beleza, porquanto não é a perfeição que define a qualidade estética do mundo natural, mas sim a sua infinita variedade, a riqueza das suas múltiplas formas e o seu carácter único e singular».
Para responder à pergunta inicial, sobre o valor dos nossos Barrocos, temos que nos munir de conhecimento científico e sermos capazes de entrar numa viagem imaginária, a um passado longínquo, há cerca de 300 milhões de anos onde, até 50 km de profundidade, na Crosta Terrestre, um magma rico em sílica arrefeceu, muito lentamente, originando a rocha cristalina dos Barrocos, o Granito, com os seus minerais principais de quartzo, feldspatos e micas. Deveríamos saber ainda que, nesse processo lento de arrefecimento, o “ADN” do magma original esculpiu primariamente, grande parte do que são hoje as Geo-formas que afloram à superfície, únicas e prontas a serem valorizadas e contempladas. Claro que precisamos introduzir muitas outras explicações científicas, como o mecanismo da Tectónica de Placas, dos Movimentos Orogénicos e até a compreensão da origem dos filões de minérios, de rádium, de urânio, de volfrâmio e de lepidolite, que sempre acrescentaram a esta região enorme interesse económico. Toda esta diversidade geológica tem 300 milhões de anos. Existiu então uma montanha, com mais de 5.000 metros de altitude, cujas “raízes” estavam na altura em formação e onde as elevadas pressões e temperaturas geradas na crosta terrestre criaram condições para a formação dos minérios que temos vindo a explorar ao longo dos tempos.
Ganhar consciência que esta paisagem que nos rodeia é o nosso maior e mais antigo património eleva-nos e diferencia-nos pela literacia científica, pelo civismo e pela educação. Prepará-la e mostrá-la ao mundo, elevar-nos-ia a Região Desenvolvida, de interesse científico.
Falta desenvolver, na maioria das pessoas, literacia científica na apreciação da estética natural. Contemplar uma montanha é, para Carlson, algo mais do que ver árvores, cores, flores; é, também, compreender a sua história natural, as suas populações específicas e as relações que a animam. Há que introduzir uma razão cognitiva na leitura do belo natural para que se possa evoluir para a estética da paisagem, que inevitavelmente nos levará ao caminho da ética, da preservação e da valorização. Ainda neste ponto, da referência a paisagens arrebatadoras, não esqueçamos Rousseau que, na “Nova Heloísa”, dá testemunho «da escalada das montanhas alpinas como se se tratasse de uma vivência de arrebatamento físico, psicológico e moral».
É pela via da valorização da estética natural que, emocionalmente, se estabelecem laços entre o ser humano e a natureza, de recíproca dependência, propiciando sentimentos de amor e respeito para com ela.
Se é verdade que, com a recente epidemia Covid-19, estamos a viver momentos únicos e atrozes da História da Humanidade, jamais imaginados a esta escala, que afetam principalmente queles que vivem nos grandes centros urbanos, também é verdade que a humanidade se está a ver obrigada a olhar e a comportar-se para com a natureza de forma bem diferente daquela que tem tido até aqui.
É neste suscitar de apreço da boa relação entre o homem e a natureza que Kant reconhece a íntima solidariedade entre a experiência do belo natural e o sentimento moral, enquanto experiência constitutiva de uma «boa alma» que, por isso, se apresenta como instância preparatória e matricial de uma vontade boa.
Pela região da Guarda, se existissem experiências estéticas desejáveis, também existiria, em consequência, o desejo de as preservar e outros desejos, que poderiam culminar num êxtase difícil de explicar, mas viciante no sentir, tal como num orgasmo.

Sobre o autor

Elsa Salzedas

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