O bloco central nunca se desmontou para servir os interesses do capital e, à medida que o tempo vai passando, fica cada vez mais evidente que só não existe um Orçamento do Estado para 2022 aprovado porque o PS tinha e tem em mente outras dimensões políticas, estas bem distantes de uma verdadeira convergência à esquerda ao serviço dos trabalhadores e do povo.
Aos que apregoam que era o mais à esquerda questiono a razão para que o Governo tenha recusado qualquer aproximação às matérias que, na reta final da discussão, foram colocadas pelo PCP. O Governo recusou uma efetiva aproximação no que concerne ao aumento do salário mínimo nacional, a prova que mantém os 705 euros é agora o presidente do Conselho Económico e Social, mais pendente para o patronato, levantar as dificuldades no contexto do OE para abonar os patrões em troca dos 40 euros do SMN. Basta verificar a posição irredutível perante os trabalhadores da Administração Pública com o famigerado aumento de 0,9% sem que haja uma profunda alteração da Tabela Remuneratória Única, aliás, estamos perante mais um bloco central entre PS e PSD/CDS, com a anuência da UGT, aquando dos acordos para as carreiras gerais em 2009, e em 2012, com o governo PSD/CDS, que impuseram alterações profundamente gravosas no Código de Trabalho e na legislação laboral da administração pública.
O PS mantém inalterável a posição estruturante sobre as alterações da legislação laboral, agora com o apoio não só do PSD/CDS, mas também da IL e CH. O PS deve cumprir o Orçamento de Estado que termina no dia 31 de dezembro de 2021, pois há medidas negociadas com o PCP aquando da aprovação deste orçamento que ainda não viram a luz do dia em áreas fundamentais para o bom funcionamento do SNS e, no particular, ao nível dos recursos humanos com o combate à precariedade laboral no seio do SNS para o combate à pandemia, que ainda não terminou. Mas, ilusoriamente, o Governo PS diz que aumentou o número de trabalhadores, estes com vínculo precário e sem que dê verdadeira autonomia aos Conselhos de Administração das instituições públicas de saúde para vincular permanentemente todos os trabalhadores.
O OE de 2021 permite as progressões e promoções, mas rouba 206 euros/mês a mais de 20 mil enfermeiros que trabalham há mais de duas décadas no SNS. Não permite a abertura de concursos para todos os que exercem funções de gestão sem qualquer valorização salarial. A “cereja no topo do bolo” do tão propalado reforço financeiro de mais de 700 milhões de euros é uma fatia de 40% das verbas alocadas à saúde ir para o privado. Mais uma vez os interesses instalados e promíscuos têm a chancela do bloco central de interesses, uma verdadeira placa giratória, daí não ter apresentado uma medida concreta que garantisse um regime de exclusividade para fixar médicos e outros profissionais no SNS.
Sem sinais concretos de aproximação nestas e noutras matérias, o Governo sabia que não poderia contar com o voto do PCP. Sabia que, num ano que deveria ser de recuperação, em que não faltam recursos – veja-se a propaganda eleitoral feita em torno dos milhões do PRR/“bazuca” –, e com promessas ao poder local, mantém, em contraponto, as decisões tomadas pelo bloco central de municipalizar as Funções Sociais do Estado. Caro(a) leitor(a) é necessário avançar num caminho de resposta global aos problemas do país.
Nunca enganamos ao que vimos e para nós são essenciais questões como o trabalho e os salários, o reforço do SNS em meios humanos, a resposta à crise da habitação, a construção de uma rede de lares de idosos e de creches, e ainda o combate aos aumentos especulativos do preço da energia e dos combustíveis.
No atual cenário político, com a direita entretida consigo própria e sem soluções para o país que não passem pela repetição das políticas de má memória da “troika”, o que está em causa nas eleições de 30 de janeiro é saber se o PS vai obter a maioria absoluta que deseja para poder continuar a rejeitar as medidas que agora recusou. Ou vai a CDU sair das eleições com mais força para conseguir a estabilidade que os portugueses reclamam?
Enquanto trabalhadores devemos lutar e exigir a revogação das normas gravosas do Código de Trabalho e o fim da caducidade das convenções coletivas. Não basta dizer que queremos a estabilidade no emprego, na habitação, a estabilidade e o futuro do SNS, a estabilidade que uma rede de creches gratuitas para os nossos filhos proporciona e desta forma aliviar os mais jovens, a estabilidade para quem trabalhou uma vida inteira e precisa do aumento das pensões. É fundamental o reforço da CDU, força aliada dos trabalhadores e com alternativa política, mas também força de convergência, que cá estará para contribuir para essa estabilidade na vida dos portugueses.
Não venham depois clamar que os direitos fundamentais para uma vida melhor estão a ser roubados. A nossa arma é voto e deverá servir os interesses de classe, no concreto dos trabalhadores.
* Militante do PCP