As praias do Mediterrâneo

Escrito por António Ferreira

Não se trata aqui da Côte d´Azur, mas daquela praia em que um polícia turco resgatou do mar o cadáver de um menino sírio. Como ele, morreram centenas de outras crianças, milhares de refugiados, de migrantes. De onde vêm? Pouco se divulga sobre eles e sobre os países que abandonaram, com tanta urgência que valeu a pena arriscar a vida na travessia do Mediterrâneo. Fala-se da Síria e da sua guerra civil, do Iraque, do Afeganistão, da África subsaariana, mas ninguém foi visitar as povoações de onde fugiram e investigar as verdadeiras razões de tudo isto.

Diz-se que boa parte dos migrantes traz sobretudo histórias de pobreza, de terras que com a seca deixaram de alimentar quem lá vivia. As condições em que viviam essas pessoas deviam ser terríveis, ao decidirem entregar as poupanças de uma vida para arriscarem a vida na viagem para Norte sem qualquer garantia de um futuro melhor. Nalguns países da África subsaariana há relatos de agências governamentais que dariam instruções aos candidatos a emigrar, dizendo-lhes como conseguir chegar à Europa.

Esta emigração económica terá como causa imediata o aquecimento global. Vivemos ainda na faixa em que os seus efeitos não são ainda tão claros, apesar da seca, dos incêndios, do descontrolo do clima, ou em que não queremos ver ou não reconhecemos as evidências. Nalguns países mais a Sul, contudo, a seca tornou-se crónica e a agricultura deixou de ser viável. Uma das causas da guerra civil da Síria, já agora, foi a seca prolongada que o país sofreu e à qual o Governo não conseguiu dar resposta.

A seca vai piorar nesses países, como vai piorar a sua situação económica, com o seu cortejo próximo de corrupção, de captura dos recursos de todos por alguns, de violência e de emigração em massa.
Tudo isto deveria ter do nosso lado uma resposta ao nível dos valores que defendemos, dos direitos humanos que invocamos perante os outros, aqueles que não estarão ao nosso elevado nível.
Pois sim. A verdade é que se ganham hoje eleições na Europa na negação desses valores. Em Itália prendem-se pessoas acusadas de ajudar os migrantes. Na Alemanha, em Espanha, na Inglaterra, em França, crescem os partidos populistas que têm como principal bandeira o projeto de fechar as fronteiras. Em Portugal também.
É imperdoável a desumanidade, o egoísmo, a cegueira desta gente. É também vergonhosa a sua hipocrisia, como o é na América de Trump, em que a “Bible Belt”, ou, por outras palavras, os estados em que a Bíblia manda mais que a Constituição, parece ter esquecido o significado dos preceitos mais básicos do cristianismo. Mas é sobretudo ofensiva a sua estupidez, a sua ignorância sobre as verdadeiras causas do que está a acontecer no mundo e a sua incapacidade para dar uma resposta a estes problemas consentânea com a chamada civilização ocidental.

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António Ferreira

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