As portagens e a bandalheira do faz de conta

Escrito por Carlos Peixoto

“Este expediente regimental serve mais para fazer manchetes, para iludir o povo e para o encenar politicamente, do que para produzir qualquer efeito útil e concreto.”

O último dia de votações desta legislatura no Parlamento acabou com uma trapaça e com um deplorável fingimento. Uma vez mais, alguns partidos não se deram ao respeito, agiram como chicos-espertos e deixaram a credibilidade da política cada vez mais nas ruas da amargura. Quem esteve atento, só pode indignar-se e ter vergonha alheia com os números de circo a que se assistiram.
O PCP, fiel a anteriores investidas, ainda mais agora que se sente livre das amarras da geringonça a quem já não tem de prestar contas, veio recomendar ao Governo que acabasse com as taxas de portagens na A23 e A25. Não está em causa o princípio da abolição, a que algum guardense dificilmente se oporá, já que mais não seja porque fica com mais dinheiro no bolso sempre que utiliza essas estradas. O que está em causa é que esse partido usou deliberadamente a figura do chazinho de limão, a que por lá se chama “projeto de resolução”, e que mais não é do que um convite ou uma sugestão inócua ao Governo, e que se não for cumprida por este, como na maioria dos casos não é, absolutamente nenhumas consequências práticas tem, precisamente por se tratar de um ato não vinculativo e sem sanção.
Este expediente regimental serve mais para fazer manchetes, para iludir o povo e para o encenar politicamente, do que para produzir qualquer efeito útil e concreto. Tratou-se, portanto, de um tiro de pólvora seca. Se o PCP quisesse ser sério e consequente, teria apresentado uma proposta a impor mesmo o fim das portagens, em vez de simular agora o que nos últimos seis anos, como suporte do Governo, nunca teve força ou genuína vontade em fazer, aprovando inclusive Orçamentos de Estado onde estavam inscritas as receitas das portagens que hoje diz querer prescindir.
O PS, então, foi de uma hipocrisia atroz, fazendo a triste figura de dizer a 96 dos seus deputados para votarem contra a abolição das portagens e ao mesmo tempo pedindo aos restantes 12 para se levantarem e votarem a favor, mais concretamente àqueles que foram eleitos pelos círculos eleitorais servidos por estas duas autoestradas. É claro que mesmo tratando-se de uma proposta não impositiva para o Governo, que ele só segue e respeita se quiser, o PS já sabia que os seus votos contra assegurariam o chumbo da iniciativa comunista e por isso ensaiou aquele número de querer ficar bem com Deus (o Governo) e com o Diabo (aquele eleitorado que o PS julga que não perdoa a não abolição das portagens), coreografando um sim e um não ao mesmo tempo.
O mais grave é que este partido, o mais votado em Portugal, nem se apercebeu do ridículo que é ter agora exposto 12 parlamentares a esse pobre simulacro quando há um ano os expôs a eles mesmos a votar contra a redução de 50% das portagens proposta pelo PSD. Não é para rir, é mesmo assim. O PS que há pouco tempo não quis reduzir as portagens, lutando com todas as suas forças contra isso, veio agora fazer crer que defende a sua extinção total. Mais intrujice é impossível. Em vez de se entreterem com estas patranhas, ficaria bem melhor aos deputados que as protagonizaram obrigarem o seu Governo a pôr em prática a redução efetiva de 50% que a AR, pela mão do maior partido da oposição, determinou, mas que na esmagadora maioria dos casos não passou de reduções na ordem dos 30 a 40%, num desrespeito institucional e numa demonstração de soberba imprópria de Governos de bem e de boa fé.
Para que conste, o PSD foi sempre coerente nesta matéria. Pode não se concordar com o que defende, mas entre o custo da discordância e o preço da chacota, prefere ser penalizado pelo primeiro. Por razões que se prendem com os ainda deficitários índices de crescimento económicos do país, com o estado das contas públicas e com a manifesta dificuldade em criar receitas, o PSD tem defendido o princípio do utilizador-pagador em todas estas ex-SCUT, sendo que nas do interior do país com a necessidade de cobrança de taxas bem inferiores às do resto do país. Este entendimento pode merecer críticas, mas não é pantomineiro, não é fingido, nem trata os eleitores como tolos. Aqui está uma postura que, na hora de votar, também devia contar.

* Deputado do PSD na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda

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Carlos Peixoto

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