As cidades estão cheias de (dos) turistas

“muito para além da dinamização e atração de turistas, que na nossa região não tem tido frutos (num tempo em que há turistas por todo o lado…), haja investimento público urgente no 1º Direito, o direito a ter casa”

A indústria do turismo passou a ser nos últimos anos a mais estratégica da economia mundial. E se há 30 anos o sol e a praia dominavam a oferta turística internacional, hoje a oferta é cada vez mais variada e os nichos de mercado, a cultura, a gastronomia, o lazer e a oferta diferenciada passaram a ser a aposta cada vez mais segmentada e exigente: para cada turista um pacote com as suas especificidades. Há quem viaje à procura dos sítios mais exóticos, outros preferem a tranquilidade da natureza, há quem goste de fazer férias nas cidades históricas e visitar os monumentos, os museus, a arquitetura e as obras de arte e há quem prefira o campo, os rios, os locais distantes ou os mais singelos. A oferta é para todos os gostos… e a procura também.
Com a digitalização e a maior mobilidade, apareceram as mais diversas plataformas de reserva e aquisição de viagens e alojamentos. O exponencial crescimento do Airbnb e outras aplicações, arrendar casa ou um quarto em qualquer local do mundo passou a ser rápido e fácil. O turista já não depende do hotel, do posto de turismo ou da informação formal, está tudo no telemóvel.
A disponibilidade e vontade de ir de férias, de viajar, de ocupar o tempo livre, de conhecer e “andar por aí” passou a ter o mundo como destino (alguns inscrevem-se mesmo nas viagens espaciais, porque a Terra já é pequena para tanta vontade de viajar).
Esta abundância, leva a excessos, o excesso de as cidades mais procuradas estarem cheias – cheias de visitantes, cheias de lixo, cheias de preços caros para os locais, cheias de alojamentos turísticos… E depois não há casas para os indígenas, não há alojamento a preços acessíveis para trabalhadores ou estudantes que assim não conseguem sobreviver nas suas cidades ou nas cidades onde escolheram viver por entre a selva de turistas que ocupam tudo.
Segundo destino turístico mundial, atrás da França, Espanha recebeu em 2023 mais de 85 milhões de turistas estrangeiros (até 2040, Espanha será o país mais visitado do mundo: deverá receber 110 milhões de viajantes estrangeiros, segundo um relatório elaborado pelo Google e pela Deloitte e haverá, em 2040, um bilião de viajantes no mundo). As notícias que chegam sobre o “cansaço” dos espanhóis em relação à presença massiva de turistas é surpreendente, mas só deixa perplexos os mais distraídos.
Milhares de pessoas desfilaram no passado sábado em Barcelona contra o excesso de turistas (e até houve alguns excessos, com ofensas e pistolas de água a molharem turistas nas esplanadas). Barcelona terá recebido no último ano 12 milhões de visitantes. É uma das cidades que mais turistas recebe no mundo e o turismo é uma fonte de receita extraordinária, mas as consequências sociais são várias e muito complexas. A mais relevante, e que leva a uma contestação massiva tem a ver com a habitação: deixou de haver casas em Barcelona para os locais o que levou já a câmara municipal local a definir várias regras e inclusive a intenção de acabar com o alojamento local até 2029. Mas não é só na cidade condal, por toda a Espanha há manifestações contra o turista e especialmente contra o alojamento local.
Este problema ainda não é evidente em Portugal ou pelo menos ainda não há manifestações na rua contra os turistas. Mas convém que meditemos sobre ele, para antecipar soluções ou pelo menos para evitar situações complexas, como a da falta de casa. Aliás, a falta de habitação é já um problema grave em muitas cidades. E é urgente que, muito para além da dinamização e atração de turistas, que na nossa região não tem tido frutos (num tempo em que há turistas por todo o lado…), haja investimento público urgente no 1º Direito, o direito a ter casa – ouvimos falar de planos e intenções, mas casas, continua a não haver.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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