O populismo de extrema-direita alimenta-se de causas simples: o Estado extrai demasiados recursos da sociedade, os imigrantes aumentam a insegurança e são concorrentes dos nacionais no mercado de trabalho, a ideologia “Woke” e as ideologias de género destroem os fundamentos da sociedade.
Não é o facto de estas ideias serem transmitidas aos gritos que aumenta a sua credibilidade, e em geral exigem-se provas para que estes argumentos convençam os seus destinatários. À falta de provas recorre-se agora ao conceito de “perceções”: não tenho os números da criminalidade mas apercebo-me, quando vou ao Martim Moniz, que há aí estrangeiros de má cara; logo, o Martim Moniz é perigoso e a culpa é dos estrangeiros. Perguntem a um miúdo, que tenha aprendido Lógica na disciplina de Filosofia ou de Matemática, quantas falácias contém este argumento e repensem o argumento das perceções.
As generalizações sempre foram perigosas e mais perigosas se tornam quando servem para fundamentar políticas públicas. Quando se pede a expulsão de estrangeiros, ou a limitação da imigração, com o fundamento de que muitos dos imigrantes são criminosos, ou de que estão a “roubar” empregos aos portugueses, convém primeiro ter certezas quanto aos dados da criminalidade e do emprego, sem esquecer, já agora, as regras de proibição de discriminação em função da nacionalidade ou da religião. Não temos de admitir em Portugal criminosos, nem temos de ter a porta aberta a todos os que queiram entrar, mas não esqueçamos algumas regras básicas já em vigor há muitos anos: um imigrante tem de apresentar, para obter autorização de residência, certidão de registo criminal e comprovativo de que tem meios de subsistência, como contrato de trabalho ou atividade económica em nome individual.
Os estudos realizados sobre estes assuntos mostram que, em geral, as perceções estão erradas e que, quanto a imigrantes, nada sugere que estejam envolvidos em mais atividades criminosas que a população em geral, que estejam a ocupar postos de trabalho em detrimento dos cidadãos nacionais ou que sejam um peso para a nossa economia ou para o nosso sistema de Segurança Social.
Num livro recente (“Os Perigos da Percepção – Talvez estejamos errados acerca de quase tudo”, Livros Zigurate, 2025), Bobby Duffy mostra quanto estamos enganados a este propósito e a propósito de muitas outras coisas. Por exemplo: a perceção geral é a de que a percentagem de imigrantes face à população total é muito maior do que a verdadeira, o mesmo acontecendo com dados sobre a criminalidade relativos a imigrantes. Em Londres, por exemplo, um quarto dos crimes são cometidos por estrangeiros, o que parece confirmar a tese de que constituem um perigo de segurança, até que esse número é confrontado com a percentagem de estrangeiros a residir em Londres e que é de quase metade da população. A generalizarmos esta conclusão, teríamos de acreditar que, afinal, os estrangeiros têm, em Inglaterra, uma taxa de criminalidade de apenas metade dos nacionais. Teremos por isso de expulsar os ingleses do Algarve, ou os indianos do Martim Moniz?
As políticas públicas têm de ser decididas com base em informação rigorosa, relevante e não discriminatória, como impõem a razão e a ética. Dados relevantes são, por exemplo, a bomba de relógio demográfica que nos ameaça há décadas e se tem vindo a agravar, ou a falta de trabalhadores como sofrem, há anos também, setores como a construção civil e a economia social. A necessidade de imigrantes é evidente e os que estão cá têm contribuído para minorar o problema, trabalhando, pagando impostos e contribuindo para a Segurança Social. Também é evidente que a sua admissão depende do cumprimento de regras, aliás existentes há muitos anos e verificadas aquando de cada processo de concessão de visto de residência. Não precisamos é de políticos desonestos, que inventam realidades alternativas para justificarem políticas mesquinhas e potencialmente ruinosas para o país.