O próximo dia 21 de outubro é uma data com um significado particular no historial da Rádio Altitude (RA), que está a comemorar o 75º aniversário. Isto porque no ano de 1947 era aprovado um regulamento onde estavam definidas as orientações para o indispensável e normal desenvolvimento das emissões radiofónicas da futura estação CSB-21.
Para a estação emissora da Caixa Recreativa do Sanatório Sousa Martins era definido o objetivo de proporcionar aos doentes «certas distrações compatíveis com a disciplina do tratamento», acrescentando-se que a estação iria funcionar «sob administração direta da Comissão Administrativa, que nomeará um dos seus membros para Diretor dos respetivos serviços».
De acordo com o referido regulamento, o diretor dos serviços tinha a seu «cargo a orientação geral das emissões e as regras que presidem à administração corrente, mas a criação de receitas e a realização de despesas terão de ser aprovadas segundo os termos normais da Caixa Recreativa».
Num dos artigos determinava-se que «os produtores, locutores e operadores serão pessoas em condições suficientes de saúde para exercerem as respetivas funções e os nomes serão apresentados à Direção do Sanatório para aprovação»; a antecipada e cuidada organização (com 48 horas de antecedência) dos programas constituía uma das exigências que integravam o documento, «embora sem prejuízo da atualidade que os assuntos podem merecer».
Aos locutores era recomendado que falassem de harmonia com os programas que teriam sob a sua responsabilidade «e não poderão exceder-se em trabalho nem levantar a voz», sendo referido que «os operadores deverão colaborar com os locutores da maneira mais adequada e conducente à boa realização dos programas» e estipulada a permissão de serem acumuladas na mesma «pessoa as funções de produtor e locutor».
Este regulamento não era totalmente alheio ao contexto político e social da época; daí que, embora ficasse garantida aos produtores dos programas a «liberdade na escolha dos assuntos», fossem alertados para o facto de não serem permitidos «assuntos de ordem política», mas eram consentidos «assuntos de ordem religiosa, desde que acatem os princípios católicos».
Outra norma orientadora – o que se compreende face ao circunscrito auditório dessa época – dizia respeito à indicação de que não deviam «ser escolhidos temas pessimistas ou de orientação prejudicial à boa disposição dos doentes».
Um artigo do regulamento da Rádio Altitude fazia menção específica ao programa “Simpatia”, o qual era «preenchido com os discos pedidos pelos radiouvintes»; esse espaço radiofónico não devia «exceder metade da emissão total, enquanto for organizado diariamente». Por outro lado, «as dedicatórias que acompanhem os pedidos» tinham de ser escritas «por forma a facilitar a locução» e não poderiam «ir além de 50 palavras, tratando-se de prosa, ou de 16 versos, se os solicitantes adotarem poesia».
No mesmo artigo era clarificado que as dedicatórias deveriam «ser corretas e de harmonia com o carácter de relações existentes entre pessoas decentes», tendo de ser apresentadas até às 14 horas. «As dedicatórias que forem entregues depois dessa hora não serão transmitidas no próprio dia».
Este regulamento, aprovado por Ladislau Patrício (que era o Diretor do Sanatório Sousa Martins e desde cedo percebeu a importância e o alcance da Rádio), para além da informação que nos transmite sobre a vivência radiofónica de então e a forma como era desenvolvida, a par das preocupações de balizar os conteúdos programáticos das emissões, remete-nos para um tempo onde se solidificavam os alicerces da emissora. A inauguração oficial da rádio ocorreria, como é sabido, a 29 de julho do ano seguinte.
Interessante coincidência é a estreia no palco do grande auditório do Teatro Municipal da Guarda da peça “Guarda a nossa Rádio”, no próximo sábado – 21 de outubro – data em que passam 76 anos a aprovação do primeiro regulamento da RA.
Esta peça é, antes de mais, a celebração da rádio e, simultaneamente, uma proposta de reflexão sobre a função social deste meio de comunicação; sobretudo em regiões do interior, como esta zona da Beira Serra, onde nunca serão de mais as vozes que possam dar voz às populações, aos valores culturais e históricos, ao presente, aos sonhos do futuro.
A rádio continua a ter um papel fundamental na informação local e regional, na defesa da identidade destas terras e gentes. Nesta peça – cujo texto pode ser adaptado ou interpretado em diferenciados contextos geográficos, onde a rádio esteja presente – o espetador é levado para um estúdio de Rádio, onde há vozes, músicas, memórias, sentimentos, sonhos, paixão, afetos; é desafiado a assistir a um programa de rádio, numa noite especial, onde se cruzam três gerações e que proporciona a revisitação de múltiplas estórias; a evocação de distintas vivências marcadas pela magia da rádio. No final há uma inesperada revelação e um comovido apelo para que a rádio se continue a reinventar e afirmar no futuro.
Há referências especiais, nomes e vozes que serão percetíveis aos espetadores. Essas personagens, como referi anteriormente, dão ao espetador a liberdade de as associar a outras vivências. São os afetos e a paixão pela Rádio que alimentam os diálogos, as memórias.
Deixamos, aos leitores, o convite para celebrarem também a rádio e para a conhecerem por dentro; para entrarem no estúdio, reterem gestos e movimentos, penetrando nos pensamentos de quem está frente ao microfone, perante muitos rostos imaginários que estão do outro lado.
A sua presença será uma manifestação do apreço pela rádio, pela sua história, pela sua importância na sociedade de hoje; será também a expressão de que estão empenhados na Guarda da rádio e naquilo que ela significa enquanto memória coletiva.
Altitude: na Guarda da Rádio
“Há referências especiais, nomes e vozes que serão percetíveis aos espetadores. Essas personagens, como referi anteriormente, dão ao espetador a liberdade de as associar a outras vivências. São os afetos e a paixão pela Rádio que alimentam os diálogos, as memórias.”