Ai muito me tarda, a Guarda

“Ter história não basta para perdurar no tempo. Ter o melhor ar do país não chega para respirar.”

Se Coimbra é do choupal, a minha Guarda é da neve leve de Augusto Gil.

Se o Porto é sentido, a minha Guarda é lembrada.

Se Lisboa é menina e moça, a minha Guarda é mulher madura e misteriosa, que nos faz perder pelas suas ruas de pedra fria e maravilhosamente sombrias.

A minha Guarda é retorno. Retorno a um silêncio que não me deixa adormecer, a um ritmo que não me consegue desacelerar e um tempo que parece infinito, onde ninguém tem pressa de chegar.

A minha Guarda também é o sol que nos aquece nas tardes de Verão enquanto percorremos as esplanadas da cidade.

A minha Guarda é Primavera, quando chegamos cheios de histórias para contar da grande cidade, e reencontramos a nossa família e amigos.

Mas foi o Inverno que me obrigou a abandonar a minha Guarda. O Inverno longo do interior, da falta de oportunidades aliciantes, a quase inexistência de empresas que proporcionem carreiras mais ambiciosas, da dificuldade em manter os jovens na sua terra, das mentalidades que ficaram lá atrás no tempo.

Ao longe, a Guarda é a cidade em que se inauguram rotundas, do Natal, das grandes festas e luzes, e do marketing já cansado, de ludibriar o povo com foguetes e purpurinas. A par desta Guarda, poderíamos também ter a Guarda que cuida dos seus jovens, que ajuda as empresas locais e apoia outras a fixarem-se e a criar empregos apetecíveis, que deixa de ser só mais uma cidade perto da Serra da Estrela para passar a capitalizar melhor a sua proximidade, especialmente  em termos turísticos, que deixa de ser apenas uma cidade fronteiriça, mas assume o papel de porta de entrada para a Europa, que entende a grandeza numérica dos nossos emigrantes que regressam anualmente à região e os obriga a ir embora de novo, a Guarda que deixa vícios e embustes típicos de cidade pequena e se começa a comportar com maior elevação. Ter 1.056 metros de altitude não chega para ser mais alta.

Ter história não basta para perdurar no tempo. Ter o melhor ar do país não chega para respirar.

As infraestruturas de nada servem se não se encherem de gente, os parques e os jardins tornam-se cinzentos se não tiverem crianças a correr, os bailes de finalistas do liceu e da Sé precisam de alunos ansiosos por dançar a valsa.

Quero que a Guarda deixe de ser minha para eu ser da Guarda Grande e Magna. Da Guarda que se engrandece a cada dia, que prospera, que não tem vícios, mas vicia. Que nos faz percorrer 300 quilómetros sem hesitações, que nos faz querer ficar com esperança e expectativas em vez de partir. Que a nossa família e amigos não se queixem que tardamos em voltar, para de repente nos apercebermos que passaram 3 ou 4 meses e a Guarda não nos chamou.

Coimbra é do choupal, o Porto é sentido, Lisboa é menina e moça. A minha Guarda é nostalgia. É um aperto no coração quando, ao chegar, se olha pela janela, vê-la erguer-se na sua melancolia.

Lisboa também é já minha, mas ainda se sente o frio da Guarda.

* Natural da Guarda e estudante da Universidade Católica de Lisboa

Sobre o autor

Carolina Reis Ferreira

Leave a Reply