Afogado

Escrito por Diogo Cabrita

Elias é um “workaholic”, viciado em levar suas tarefas à exaustão, em deixar tudo feito e bem realizado. Elias nunca diz que não e por essa razão já foi desenrascar amigos a meio da noite, já se disponibilizou para lá da hora de almoço, já deixou de comer e empenhou-se em todas as ações que lhe foram pedidas. Elias está convicto que os amigos o adoram, e sente que a sua força vem da disponibilidade, do carinho que lhes demonstra com ações cumpridas, da sua constante entrega aos pedidos que não param. Elias faz-se à estrada de manhã e percorre casa, fábricas, associações concertando torneiras, arranjando instalações elétricas, construindo divisões de casas, fazendo tetos falsos. Com tanta gente que conhece também deixa aqui e ali um pedido para desenrascar a hérnia do vizinho, as varizes da amiga da mulher, as pellets que teimam em falhar na entrega. Elias conhece empresários, médicos, engenheiros, farmacêuticos e veterinários. Desenrasca todos e vai pingando uns jeitos, uns favores. Há quem lhe chame o quebra-enguiços. Telefona a acudir uma doença, vai de bombeiro aos fogos intensos, dá boleias, ajuda na Cruz Vermelha e, como é um coca-bichinhos, até uns computadores salva aqui e ali. O problema do Elias nasceu em março de um ano alegre em que sonhou ser presidente da Junta. Ele queria genuinamente ajudar, fazer o cemitério, corrigir as extremas, limpar terrenos e abrir instalações para animais abandonados, colocar Wi-Fi na freguesia. Elias conhecia cada casa onde bateu à porta, conhecia alguém em todas as casas, julgava-se amigo de milhares de pessoas. A realidade foi que não passou dos 15% dos eleitores e ficou em terceiro na eleição. Elias conheceu a ingratidão de um modo surpreendente. Chocado fechou-se em casa, onde não pararam de tocar à porta todos os que lhe vinham pedir favores e desenrascanços. Via-os da janela que não abriu. Mudou de freguesia e vendeu a casa. Deixou os bombeiros e a Cruz Vermelha. Aninhas acompanhou-o para todo o lado e ficou como sempre à sua espera na cama. Que tens? Porque estás tão fechado? Respondeu-lhe com enfado que não percebia a votação, que não compreendia o abandono na hora da eleição. Estava magoado. Eu também não votei em ti Elias. Espanto, consternação, olhar triste. Ficavas afogado nas carocas e na junta – esclareceu. Eu quero um pouco de ti. Um brilho terno, um sorriso distante, um amor de sempre.

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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