Parece que nas comemorações do 25 de Abril andou gente a cantar pela rua pedindo ao Santo António que levasse Bolsonaro para o pé do Salazar – escrevo “parece”, porque pelo segundo ano consecutivo me ausentei do país durante as festividades, viajando para os Bálticos, onde não só esteve mais calor como é um lugar onde sabem apreciar o real valor do socialismo, especialmente pelo contacto directo que lhes deixou algumas comichões.
Algumas interpretações atribuem à letra um desejo de morte ao presidente do Brasil. Se for verdade, talvez haja métodos mais eficazes do que estes. Como a cantoria foi entoada por deputadas de um partido que defende a liberdade no amor, julgo que a interpretação é distinta dessa.
Como Santo António é um santo casamenteiro, acredito que o bloco de cantadeiras estivesse a apelar a uma forma de sexualidade de nicho, respeitáveis que são todas as opções que cada indivíduo livre e autónomo queira assumir: a homossexualidade necrófila. A trupe foliona da Avenida incitava que Bolsonaro, um militar com certeza reprimido na sua expressividade sexual plena, experimentasse a ternura de um ditador falecido, é verdade, mas que já foi considerado o maior português de todos os tempos. Talvez esta relação íntima envolvendo o maior português de todos os tempos e um presidente de uma ex-colónia possa ferir os princípios da narrativa pós-colonial dos saltimbancos de esquerda, mas isso pode ser discutido numa tenda perfumada com fragrâncias psicotrópicas durante o próximo acampamento juvenil (passe o pleonasmo) da agremiação.
O sexo não escolhe idades e o amor não precisa de órgãos completos. Bolsonaro pode comprazer-se com carícias nas tíbias e nas falanges de Salazar, ou até um beijo na caveira do antigo Presidente do Conselho. O que importa é que sejam felizes.
Notem os leitores que eu não condeno nem uma palavra do grupo de cantares do monóculo de esquerda. Se há quem cante os refrões javardos da Rosinha e os xaropes para a tosse do André Sardet, não vejo razão para criticar uma cantilena que inclui simultaneamente xaropada e javardice.
Sendo uma colectividade nascida no trotskismo, estou convencido que a sua canção popular não seja o “Ai, ai, ai, minha machadinha”.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia