Abril

“(…) para sublinhar que nunca deveremos esquecer o que representa realmente viver num regime não democrático. Mas também para sublinhar que devemos ter sempre presente o que significa viver em liberdade, sem isolamento internacional, sem guerra. Valores inestimáveis. “

Quando se deu a revolução que pôs fim a uma ditadura que durava há 48 anos, eu tinha apenas cinco anos. Não podia, pois, ter ideia da natureza do regime que até então vigorava. E, como eu, uma boa parte da atual população portuguesa nunca soube, por experiência direta, o que era viver numa sociedade atrasada, isolada do mundo e onde não havia liberdade. Uma sociedade onde uns poucos tinham tudo e a maior parte tinha nada. Vivia-se, além disso, em guerra, numa guerra colonial para onde eram mandados jogar as suas vidas os jovens portugueses. Muitos deles eram para lá enviados como castigo por terem tido a ousadia de contestar o regime. Não como missão patriótica, mas como castigo. Tal era a natureza hipócrita do regime. Por isso, quando os militares de Abril decidiram tomar o destino de Portugal nas suas mãos o país entrou em festa, podendo, de imediato, viver a liberdade, sem amarras, sem prisões, sem medos. Genuinamente.
Digo isto para sublinhar que nunca deveremos esquecer o que representa realmente viver num regime não democrático. Mas também para sublinhar que devemos ter sempre presente o que significa viver em liberdade, sem isolamento internacional, sem guerra. Valores inestimáveis. Alguém disse que só poderemos saber verdadeiramente o que é a liberdade quando a perdermos. Eu não a quero perder para saber o que ela é, porque a conheço da história, dos relatos que me fizeram, mas também porque, ainda muito novo, a pude respirar ainda muito fresca, ainda a ser reconstruída a partir dos seus alicerces.
Sim, este é um aspeto a nunca esquecer, em particular quando celebramos o aniversário do 25 de Abril.
Mas não devemos ficar por aqui. Devemos, sim, olhar para a liberdade de forma positiva e perguntarmo-nos acerca do que fizemos com ela e sobretudo do que deveremos continuar a fazer, olhando o futuro de frente. Com ela, acabámos com a guerra, com ela, construímos a democracia representativa, com ela, desenvolvemos o país, com ela, construímos a democracia local e conseguimos dar às populações o que nunca lhes fora dado – poderem dotar-se de formas de autogoverno, de instituições governadas por pessoas escolhidas por si, próximas dos problemas que é necessário resolver.
Nem tudo foi bem feito, há que reconhecer, mas se quisermos ter uma ideia do que de bom foi feito é só comparar com o que existia há cinquenta anos. Portugal é hoje um país integrado na União Europeia, respeitado no mundo, uma democracia consolidada, um país livre e com um Estado social que dá proteção a todos os portugueses, sim, mas sobretudo aos que conhecem maiores dificuldades nas suas vidas. Um país solidário e livre.
Mas porque nem tudo está bem, é necessário empenho e determinação para corrigir o que tem de ser corrigido, olhando para o futuro sem receios e construindo robustos pilares para enfrentar um futuro cada vez mais incerto. Sabemos o que está a acontecer na Ucrânia, no Médio Oriente e o que pode voltar a acontecer no mais forte país do mundo se Donald Trump ganhar as próximas eleições presidenciais, sabemos do sucesso que a extrema-direita está a conhecer na Europa e o risco que o modelo social europeu corre, sabemos da distorção que estas forças conservadoras querem imprimir aos regimes democráticos para os vergarem à sua vontade. Sabemos tudo isto e nem sequer é preciso ser muito informado para o saber. Por isso, celebrar o 25 de Abril é tão importante, não só como celebração do passado, mas também como vontade de construir um futuro melhor. Que viva o 25 de Abril.

* Ex-deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da e presidente da concelhia da Guarda do PS

Sobre o autor

António Monteirinho

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