Há muito ficou claro que os confins de Portugal e da política nacional não bastam às largas ambições de Mário Centeno. Qual futebolista no auge da carreira, também o “Ronaldo das Finanças” está convicto de que só poderá expressar toda a sua qualidade economicista nos campos estrangeiros para então, finalmente, receber o devido crédito internacional.
A inviabilizada pasta na nova Comissão Europeia e, mais determinante ainda, a fracassada ida para o Fundo Monetário Internacional (FMI), obrigaram a uma redefinição do xadrez em que o ministro português das Finanças se move. Por um lado, criaram dificuldades adicionais à convivência entre Centeno e o primeiro-ministro num Executivo de que ambos se consideram “o” elemento definidor. António Costa não gostou da tentativa unilateral ensaiada pelo seu ministro líder em popularidade, que queria ver comprometido com a governação nacional e as reformas em curso no âmbito da Zona Euro.
As duras críticas de Costa ao desenho do instrumento orçamental para a convergência e competitividade feito por Centeno no Eurogrupo expuseram uma dissonância que foi, entretanto, agravada pela complexa definição do Orçamento do Estado para 2020. E as dificuldades crescentes que se antecipam, para uma legislatura com uma esquerda cada vez menos unida, vêm dificultar ainda mais a relação entre os egos de Costa e Centeno.
Dificuldade agravada pelo novo panorama político europeu em que conservadores e sociais-democratas dividem responsabilidades com liberais e ecologistas e em que Estados-membros ricos e pobres rivalizam acerca do peso das novas e velhas prioridades da União Europeia, num contexto de definição do próximo orçamento comunitário de longo prazo. Circunstância que ajuda a tornar a presidência do Eurogrupo, já no verão, o próximo elemento de disputa.
Por outro lado, reabriu a porta do Banco de Portugal (BdP) ao regresso de Mário Centeno. Voltar como governador seria, desde logo, uma espécie de vingança contra Carlos Costa pelo facto deste ter posto Centeno na prateleira ao impedi-lo de chefiar o Departamento de Estudos do banco central. E se assumir a liderança do BdP até pode, num primeiro momento, constituir um passo atrás, poderá perfeitamente servir depois para dar dois em frente. Isto porque a influência amealhada no Eurogrupo, aliada a um ou mais mandatos à frente do regulador, são o melhor cartão de visita a que Centeno poderia aspirar para liderar o Banco Central Europeu (BCE). Olha-se para Vítor Constâncio e percebe-se que a eficácia da ação está longe de ser o único critério para entrar no BCE.
Centeno e Costa não veem qualquer conflito de interesses na passagem direta das Finanças para a liderança do regulador, cujo modelo de supervisão proposto em 2019 pelo ministro ficou na gaveta após diversas críticas geradas, inclusive oriundas de Frankfurt, por colocar em causa a independência do BdP. Entretanto, está prometida nova proposta de reforma para breve. Estranhamente também o líder do PSD, Rui Rio, não vislumbra problemas na ida de Centeno para o BdP sem que se cumpra qualquer período de nojo, fazendo temer que esteja de regresso a velha prática do “centrão”, quando o PS determinava o líder do banco central e o PSD a chefia da Caixa Geral de Depósitos, e vice-versa.
Surgem agora também vozes que garantem que a entrada de Centeno no BdP pela porta giratória do sistema não põe em causa a independência das instituições, nem a necessária vitalidade do sistema de pesos e contrapesos, garantias dadas como se alguma vez a democracia saída de 1974 tivesse efetivado tais conquistas. Centeno no BdP vem apenas confirmar a perpetuação do devorismo e rotativismo que marcaram o liberalismo do século XIX.