A sério: “saudades da minha Guarda”?

Escrito por Fidélia Pissarra

“Agora, querer salvar os velhinhos cineteatro e hotel turismo só por acharmos lá ter sido felizes, ou a casa onde o Nuno de Montemor viveu, só por consideramos ter algum interesse cultural, é que já parece ser um bocadinho de mais.”

Ao contrário de hoje, a cidade dos nossos pais, à semelhança da dos nossos avós, nunca foi melhor do que a nossa. Pelo menos, não houve pai ou avô, que se conhecesse, com saudades da Guarda dos seus tempos de escola, de juventude ou de outra coisa qualquer. Abriam-se ruas, derrubavam-se casas, construíam-se edifícios e tudo isso era encarado com a naturalidade de quem sabe que a vida das cidades se faz também de mudanças e transformações. Quando muito, diziam “no tempo do coliseu”, ou “do clube”, por alturas do Carnaval, Páscoa e Natal que seria o tempo em que ofereciam a si mesmos uma peça de teatro, um filme ou um bailarico, mas nunca com entoação lamechas e muito menos saudosista. Até porque, saudades, para além das da juventude, seriam a coisa que menos lhes apeteceria ter desses tempos e só o diriam para que os mais novos não pensassem que tudo tinha sido sempre como o conheciam. Aliás, os poucos que ainda por cá andarão, com juízo suficiente para se lembrar e reparar no que quer que seja, muito se intrigarão com as saudades, confessas, que toda a gente, por estes dias, parece ter de ícones urbanos, fabricados post mortem, como o hotel turismo, o cineteatro e um ou outro edifico, daqueles em que só se repara quando as gruas os abordam e despertam as mais firmes opiniões sobre o destino a dar a tudo o que subsiste vazio e inútil. E, não fosse o caso de, ao distrairmo-nos tanto com assuntos de um passado, muitas das vezes mais imaginado que real, nos esquecermos de pensar sobre o futuro, nem seria desta ânsia de salvamento, generalizada, quase compulsiva, de tudo o que fazia da Guarda uma cidade de dimensão diversa da que efetivamente teve, que mal viria ao mundo.
O problema é que, de tanto querer salvar o passado, acabamos por nos esquecer de pensar no futuro. Futuro que, aqui entre nós, até passará menos por salvar o que merece, e deve, ser salvo, do que pelo tanto que ainda há a fazer. Salve-se, por exemplo, a permanência, no velho edifício do Governo Civil, do comando distrital da PSP. Se para isso for preciso acrescentar-lhe a escola Augusto Gil, conferindo funcionalidade e dimensão às instalações, pois que seja. O que mais há é espaço nas outras escolas do centro da cidade para os alunos e contra instalações condignas, em situação privilegiada, não haverá argumentos. Quem diz instalações da PSP, diz da GNR. Agora, querer salvar os velhinhos cineteatro e hotel turismo só por acharmos lá ter sido felizes, ou a casa onde o Nuno de Montemor viveu, só por consideramos ter algum interesse cultural, é que já parece ser um bocadinho de mais. Até porque, nestas coisas, das memórias e apegos, a Guarda é como as opiniões, cada um tem a sua e de nada adianta pirraçar. Por isso, mais vale deixarmo-nos logo de niquices e começar a pensar em coisas que fariam toda a diferença no dia-a-dia dos guardenses: melhorar as acessibilidades; melhorar a mobilidade e limpeza urbana; melhorar os espaços verdes e de lazer. Simples.

Sobre o autor

Fidélia Pissarra

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