A saga do interior de Portugal

Escrito por Carlos Peixoto

“O que revolta é que quem tem o dever de olhar para o todo e de administrar um país coeso e equilibrado, porque foi eleito para isso, não ligue patavina a esta saga. Com exceção de umas medidas soltas para calar os que ainda vão gastando a sua voz com este tema (…)”

No passado sábado, ao fim da tarde, atravessei o centro de uma cidade que é sede de um concelho do distrito da Guarda. O único “personagem” que encontrei, inamovível, estático, resistente às agruras do clima e da voracidade do tempo, a olhar para mim como a Mona Lisa ou a Gioconda do Leonardo da Vinci olha para todos, foi o busto de um épico escritor português contemporâneo, merecidamente implantado na Praça mais importante dessa outrora pujante referência dos lanifícios do nosso país. Não vi outra alma, racional ou irracional, vital ou já moribunda, nova ou velha, nacional ou estrangeira, sentada ou em movimento. Tudo era inerte, parado, inanimado, sem sinal de vida, sem ação e sem expressão. Nessa cidade, a abertura de um novo negócio (ou até já a manutenção do antigo), é uma espécie de Euromilhões, sai a muito poucos. Há espaços para arrendar em ruas centrais tradicionalmente associadas ao comércio, que veem passar os meses a fio sem que algum interessado se predisponha a explorá-las. Os que ainda respiram, são organizações de cariz familiar com rendas e custos reduzidos, que jamais podem contratar seja quem for e mesmo que se atrevam a isso, esbarram numa escassez de mão de obra, mesmo estrangeira – a portuguesa praticamente desapareceu – que até mete dó e que os Centros de Emprego não são capazes de oferecer.
Dei por mim a pensar o óbvio. Os mortos, por mais legados que deixem e memórias que se lhes cole, só por si, não compram nem vendem, não trazem nem levam e não transformam o que só pode ser transformado por impulso dos vivos. É certo que há atores públicos com mais jeito e iniciativa que outros para potenciar estoicismos e vidas passadas, fazendo com que a história dos seus concelhos se perpetue e se infiltre magicamente na fita do tempo. Ainda assim, apesar do esforço de todos, parece inevitável que a inanição e a desertificação (processo que se segue ao já galopante despovoamento) serão a imagem de marca de muitos dos concelhos deste interior de Portugal. Quem por cá resiste e subsiste, e já vivenciou períodos de glória nestes territórios, sente um desalento e uma impotência sem precedentes. Quem nasceu e vive noutras zonas tem mais em que pensar e acha que este drama que quase atinge 2/3 da nossa Pátria não é da sua conta, por só estar preocupado com o seu metro quadrado, o que até é compreensível, pois cada região, concelho ou bairro tem os seus problemas individuais, que só localmente são sentidos e debatidos.
O que revolta é que quem tem o dever de olhar para o todo e de administrar um país coeso e equilibrado, porque foi eleito para isso, não ligue patavina a esta saga. Com exceção de umas medidas soltas para calar os que ainda vão gastando a sua voz com este tema, e sem arte nem coragem para desenhar e respeitar um verdadeiro plano nacional de coesão territorial que acuda Portugal, a única governante em funções que ouvi falar do coração sobre esta razia, chama-se Ana Abrunhosa e é ministra da pasta. Disse ela sobre os territórios de baixa densidade, que teremos de «gerir o declínio», assumindo com estrondo que nada há a fazer com as cidades de média dimensão, como são todas as do distrito da Guarda, talvez com exceção da capital de distrito, e que é uma questão de tempo elas ficarem confinadas a «cemitérios de betão», onde, pior que agora, mesmo nada se passará.
Mesmo que eu fosse um indeclinável apoiante deste Governo – e há muitos guardenses que o são – bastava tal confissão de incapacidade para lidar com esta anunciada morte lenta, somada à total ausência de uma palavra que seja do primeiro-ministro sobre esta matéria, para me sentir obrigado a apostar noutra alternativa, que também só assim se poderá assumir se disser frontalmente aos “portugueses de cá” o que fará de diferente se chegar ao poder. Independentemente das “químicas” que cada um constrói relativamente às lideranças partidárias, e que muito induzem o sentido do voto dos eleitores, mais do que os programas ou que as ideias de cada um, este é um dos desafios que as populações do interior deveriam fazer a cada um dos partidos. Perguntar-lhes ao que vêm. Os que não souberem responder, ficam bem na oposição e até podem dar o lugar a outros!

* Advogado e presidente da Assembleia Distrital do PSD da Guarda

Sobre o autor

Carlos Peixoto

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