A revolta dos velhos consultórios

Escrito por Diogo Cabrita

Em 1955 um médico honrado abria um espaço onde cumpria com a legis artis, estava devidamente creditado pela Faculdade de Medicina para exercer e procedia com ética e no dever de primum nom nocere. (do no harm). Esta legião de gente juramentada e na sua larga maioria vaidosa de ter um estatuto de doutor criava o seu consultório onde atendia os doentes que os procuravam. Houve muitas mudanças desde então. Permanece igual a Ordem dos Médicos, que nunca definiu o acto médico e foi relutante em verificar se o ensino médico seguia as dinâmicas das novas exigências da sociedade. Na sociedade mudou quase tudo e as exigências surgiram como primado da qualidade e como negócio, e como lugares para amigos e como triplicação de instituições que se permitem entrar em contradições e não construir fronteiras claras para as funções devidas. Um consultório era um lugar onde se podia fazer uma série de pequenos actos e gestos técnicos. No mundo moderno era preciso alguém definir as suas fronteiras. A Ordem não o fez e acabou por ser a ACSS no nº 32/2014/DPS/ACSS a dizer o que era pequeno e podia caber na tabela dos K da Ordem num valor subjectivo de pequeno e exequível. Havia um decreto lei para a actividade no público de 24 de Abril de 2013 que esclarece os GDH com que se financiam os hospitais e era bom ver passado à privada. Mas Não!
A diarreia legislativa para a privada continuou com a Portaria n.º 287/2012, de 24 de setembro – ERS (alterada pela Portaria nº 136-B/2014 de 3 de julho estabelecendo os requisitos mínimos relativos à organização e funcionamento, recursos humanos e instalações técnicas para o exercício da actividade das clínicas e dos consultórios médicos), que tem de ser vista associada ao Decreto-Lei n.° 127/2014 que estabelece o regime jurídico a que ficam sujeitos a abertura, a modificação e o funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 161, de 22 de agosto.
Mas ter um consultório em 2018 obriga a cumprir com o DL 163 de 2006 que esclarece as acessibilidades, com os decretos 287/2012 de 20 de Setembro e 136B de 2014 de 3 de Julho que esclarecem e definem a esterilização. O site da Ordem dos Arquitectos tem uma lista exaustiva desta legislação sobre questões estruturais de obra para poder ter um consultório http://www.oasrn.org/apoio.php?pag=tema_detalhe&id=60&ide=117&num=85 e falta agora esclarecer como comprar os seus medicamentos para poder retirar um lipoma com anestésicos locais e isso é Infarmed deliberação nº 97/CD/2014.
Temos pois acessibilidades, higiene e segurança (bombeiros), infarmed, acss, ers e agora lei da confidencialidade de dados para definir uma estrutura a que o avô chamou consultório. A maior parte fechou e não passará de mão. A larga maioria nunca mais conseguirá abrir e assim concentramos os médicos em clínicas maiores frequentemente nas mãos de grupos financeiros a quem o doente interessa pouco mas o lucro e a recuperação do investido obriga a precariedade, baixos salários, rentabilidades pouco éticas. No meio deveria andar a virtude.

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Diogo Cabrita

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