A Res Publica e a Cosa Nostra

Escrito por António Ferreira

“Entendamo-nos nalgumas coisas básicas: assim como não existem sociedades perfeitas, também não há uma única utopia que tenha mostrado viabilidade; para funcionarem, as utopias precisam de homens e mulheres perfeitos e implacáveis; as sociedades imperfeitas, como as democracias, são geridas por homens e mulheres com defeitos, eleitos por cidadãos com culpas no cartório.”

A Coisa Pública não é o mesmo que a Cosa Nostra e não devemos confundir a República com a Máfia, mesmo que às vezes pareça que a Máfia se apropriou da República. É mesmo o nosso dever impedir que uma e outra se confundam.
Entendamo-nos nalgumas coisas básicas: assim como não existem sociedades perfeitas, também não há uma única utopia que tenha mostrado viabilidade; para funcionarem, as utopias precisam de homens e mulheres perfeitos e implacáveis; as sociedades imperfeitas, como as democracias, são geridas por homens e mulheres com defeitos, eleitos por cidadãos com culpas no cartório.
Antes era muito mais fácil. Cavaco não aparecia nem era atacado nas redes sociais por “posts” furiosos e virais. Os jornais mais importantes eram lidos por poucas centenas de milhares de pessoas. Os licenciados eram uma percentagem ínfima da população. Os ministros podiam dar empregos às mulheres nos seus gabinetes que ninguém sabia. Quando mudasse o partido no poder, os seguintes fariam tranquila e discretamente o mesmo.
Agora mudou. Hoje toda a gente sabe de tudo o que se passa e, quando não sabe, inventa, e quando não inventa, partilha no Facebook o que outros inventaram.
Agora, 44% dos jovens entre os 30 e os 34 anos são licenciados. Muitos têm mestrados e doutoramentos. Os jovens com menos de 30 anos vão também licenciar-se em elevada percentagem, obter os graus de mestre e doutor. Poucos usam o Facebook, coisa de velhos. A este ritmo, em poucos anos passaremos a ser das sociedades mais qualificadas da Europa (já o somos na faixa etária dos 30 aos 34 anos).
Que querem esses jovens, de que nos podemos orgulhar, saber da política e dos políticos atuais? Muito pouco. Para além daquele que já são “jotinhas” e pretendem seguir as pisadas dos padrinhos, há a grande maioria dos outros, hesitantes entre a indiferença e o nojo, ainda agarrados ao país, mas cada vez mais convencidos de que é no estrangeiro, mesmo que para um dia voltar, que encontrarão o seu futuro.
Quando vemos todos os dias a apresentação de mais um escândalo, ou semi-escândalo, ou quase escândalo, os que têm memória sabem bem que ninguém está inocente e nenhum dá garantias de mudança na direção certa. Há os que as fazem e os que gritam de indignação, como se as não fizessem também, ou se não aguardassem também, pacientemente, a sua oportunidade para as fazer.
É assim que cresce a extrema-direita, como antes cresceu a extrema-esquerda, se multiplicam os discursos contra o sistema ou contra a democracia e cresce a abstenção. Esta é a reação natural da sociedade quando deixa de acreditar naqueles que partilham entre si o poder e os vê ofenderem a República sem qualquer pudor.
Não é com revoluções que isto se resolve, nem com homens providenciais. É preciso, urgentemente, que homens com defeitos, como todos nós, mas sobretudo António Costa, Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa, para começar, comecem a estar mais atentos ao país e a mostrar alguma vergonha na cara. São as Máfias de onde saíram que criaram esta situação e são eles que têm a obrigação de as mudar por dentro.

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António Ferreira

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