A propósito de uma efeméride…

Escrito por Hélder Sequeira

“Seguir o seu percurso é como viajar através de algumas páginas da nossa memória coletiva e reencontrar expressivos testemunhos do passado, com diversificadas marcas humanas que moldaram o perfil destas terras.”

A onda de incêndios que está a assolar o país deixa atrás de si um cenário de guerra e tragédia, mas também de heroicidade e abnegação, num protagonismo assumido pelos nossos soldados da paz. A quem devemos gratidão, respeito, solidariedade permanente, e não apenas nos momentos difíceis. Este quadro negro que tem alastrado nas paisagens beirãs, e mesmo às portas da cidade mais alta (como aconteceu nesta segunda-feira) leva-nos a evocar uma página triste da nossa história.
No próximo domingo, 24 de julho, o ocorre a passagem do 212º aniversário da Batalha do Côa, um dos combates mais violentos da terceira invasão francesa. Nesse dia, em 1810, no Cabeço Negro (Almeida, junto às margens do rio), as tropas anglo-lusas lutaram abnegadamente contra as forças do exército francês do Marechal Michel Ney (1.º Duque de Elchingen); uma batalha que antecedeu a queda da fortaleza de Almeida e a sua ocupação pelas tropas entradas em Portugal sob o comando do Marechal André Massena.
Este foi o primeiro combate travado no contexto da terceira invasão francesa que colocou frente a frente as forças militares portuguesas e inglesas, comandadas pelo Brigadeiro-General Robert Craufurd (1764-1812), com o 6º Corpo do exército francês que se deteve na margem leste do rio Côa com o objetivo de cercar a praça-forte de Almeida. Após a conquista de Ciudad Rodrigo (Espanha), em 10 de junho de 1810, pelas tropas francesas o objetivo do exército invasor era o domínio da praça portuguesa, que teria cerca de 2.000 habitantes e estava guarnecida com 5.000 soldados e 115 peças de artilharia.
Com a aproximação das forças francesas, o comando do exército anglo-luso apelou aos habitantes para abandonarem as suas casas e levarem os seus haveres. Nos primeiros dias de agosto de 1810 o Marechal Massena mandou avançar o 8º Corpo do exército francês, sob o comando de Jean-Andoche Junot, dando início ao cerco de Almeida, a 10 de agosto, cuja guarnição militar era chefiada pelo coronel inglês Guilherme Cox, sendo Tenente-Rei o almeidense Francisco Bernardo da Costa.
O cerco decorria há 17 dias quando, ao cair da noite, uma granada francesa provocou uma explosão em cadeia que destruiu o paiol principal, onde estavam armazenadas 75 toneladas de pólvora; centenas de mortos e enormes danos no interior da fortaleza foi o balanço imediato da tragédia.
Na manhã seguinte, 27 de agosto de 1810, o Marechal Massena exigiu do comandante inglês a rendição imediata da praça, o que acabou por suceder nessa noite.
A importância desta fortaleza era há muito conhecida; após o primeiro de dezembro de 1640, o rei D. João IV ordenou a sua reparação, face aos momentos e às difíceis contendas que se avizinhavam. Desde logo ficou percetível o papel preponderante que Almeida ia ter no processo bélico de manutenção da independência. A vila foi transformada em sede do quartel-general do Governador de Armas da Beira, constituindo-se na mais importante praça do reino português.
D. Álvaro de Abranches, um dos conjurados da Revolução de 1640 e membro do Conselho de Guerra de D. João IV, foi o primeiro Governador de Armas de Almeida, empenhando-se, de imediato no seu eficaz guarnecimento, rentabilizado o sistema de fortificações de que estava dotada.
Ao evocarmos esta efeméride, e para além importância histórica do ato associado que constitui uma página da nossa História, gostaríamos de sublinhar a importância que assume um mais amplo conhecimento da região – num quadro articulado de estudo interdisciplinar – que propicie a sua valorização e aproveitamento das suas potencialidades em várias vertentes, desde logo no plano do turismo cultural; igualmente ao nível do património paisagístico e ambiental, tão fortemente atingido, nas últimas décadas, pela catástrofe dos incêndios.
Uma efeméride que nos leva a um território onde o Côa vai vencendo obstáculos antes de chegar ao seu destino; rio de encantos vários, o Côa (um dos poucos a correr de sul para norte) é um guardião milenar de espólios arqueológicos e históricos, que bem merece uma maior atenção.
Seguir o seu percurso é como viajar através de algumas páginas da nossa memória coletiva e reencontrar expressivos testemunhos do passado, com diversificadas marcas humanas que moldaram o perfil destas terras. Recordemos que até 1297 o Côa foi o limite da fronteira entre os territórios dos reinos de Portugal e Castela; com a assinatura do Tratado de Alcanices, por D. Fernando de Castela e D. Dinis de Portugal, o castelo de Almeida – entre outras fortalezas – passou para o domínio da coroa portuguesa; esta zona teve uma grande importância estratégica, do ponto de vista militar; aqui se travaram, ao longo dos séculos, várias batalhas.
Como foi o caso da que ocorreu a 24 de julho de 1810, relembrada nestas despretensiosas notas.
É importante que a união dos portugueses não seja apenas em função de acontecimentos isolados (mais ou menos mediatizados) ou conjunturais, mas em torno do conhecimento e respeito pela História… com uma intervenção cívica e solidária constantes…

Sobre o autor

Hélder Sequeira

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