A pobreza que nos rodeia

A estrada que ruiu entre os concelhos de Borba e de Vila Viçosa, com pelo menos duas vítimas mortais, e a morte trágica de uma família em Sabrosa mostram, de novo, o país que somos: pobres e desleixados. Um país onde a incúria e o abandono do território se evidenciam perante a tragédia; um país onde a pobreza tantas vezes mostra a sua face mais feia e dramática para atordoar a nossa consciência.
Portugal deu um salto civilizacional extraordinário no pós 25 de abril. A afirmação da Democracia e a entrada de Portugal na Europa (comunitária) promoveram grandes mudanças económicas, sociais e culturais. Em menos de 50 anos o Portugal salazarista, analfabeto, atrasado e pobre mudou imenso: foi toda uma revolução que vai muito para além da Revolução dos Cravos.
O país, no seu todo, mudou, mas muitos ficaram para trás. O mesmo país da sociedade de informação, da ciência, da vanguarda tecnológica, da WebSummit, da massificação do secundário, do ingresso simplificado no ensino superior e da qualificação profissional das novas gerações, deixou muitos pelo caminho. Mas esse mesmo Portugal da modernidade pós Expo98, das capitais europeias da Cultura, da Lisboa cosmopolita, dos restaurantes com estrelas Michelin ou das viagens para destinos paradisíacos, é um país com dois milhões de pobres e mais de um milhão de portugueses com pensões de invalidez, velhice ou de sobrevivência miseráveis (dos 269,08€ para quem trabalhou e descontou para a segurança social menos de 15 anos aos 389,34€ para quem trabalhou e descontou mais de 30 anos, mas viveu sempre do salário mínimo; pensão social do regime não contributivo de 207,01€; complemento por dependência de 103,51€). E foi este Portugal que vimos em Sabrosa, onde cinco pessoas faleceram intoxicadas por um gerador que iluminava uma casa miserável. Porque, como muito bem perguntou David Pontes (“A sídrome de Entre-os-Rios”, in Público) «É isto que nós somos»? É! Mas só damos conta quando a tragédia o mostra, quando o país arde e morrem mais de cem pessoas ou quando as pontes caem, os comboios param e as estradas desaparecem levando com elas as pessoas que as utilizam.
Este é o mesmo país onde os juízes fazem greve porque querem melhoria salarial, os professores infernizam a vida das crianças e famílias para, legitimamente, exigirem a reposição de tempo de serviço (ganhar mais), os médicos consideram-se mal pagos ainda que num fim de semana ganhem mais do que a maioria a trabalhar um mês inteiro, os enfermeiros querem ganhar como os médicos, etc. – obviamente que todos têm razão, porque todos temos direito a ganhar mais e a viver melhor, e ninguém quer saber se à mesa do vizinho do lado chega comida. Mesmo que mais de 700 mil trabalhadores vivam com o salário mínimo (menos de 600 euros) e quando o salário médio dos trabalhadores portugueses é de pouco mais de 800 euros. Este é o país que somos: Um país cada vez mais desigual e egocêntrico que prefere discutir as touradas a perder tempo a falar da pobreza.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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