A Pavorosa

Escrito por Francisco Manso

“Portugal viveu todo o século XIX em permanente agitação, com revoltas e governos a sucederem-se num ritmo alucinante.
D. Miguel já tinha falecido, mas o miguelismo continuava bem vivo e, em Espanha, D. Carlos, o pretendente ao trono, representava o mesmo tipo de sociedade.”

Portugal viveu todo o século XIX em permanente agitação, com revoltas e governos a sucederem-se num ritmo alucinante.
D. Miguel já tinha falecido, mas o miguelismo continuava bem vivo e, em Espanha, D. Carlos, o pretendente ao trono, representava o mesmo tipo de sociedade.

A revolta da Pavorosa

A Pavorosa foi um golpe de estado, ainda hoje difícil de identificar. No Verão de 1872 o país foi agitado por notícias alarmantes que davam como certa uma sublevação militar em Lisboa e que contaria com apoios noutras regiões, principalmente no Sabugal, Guarda, Covilhã e Penamacor.
No entanto, o Governo foi avisado por uma denúncia e, já precavido, tomou medidas rigorosas, mobilizou as tropas e impediu que saísse à rua. Os principais instigadores seriam o marquês de Angeja, o visconde de Ouguela, o barão de Pomeirinho e o conde de Magalhães. A chefia militar seria da responsabilidade do general Cruz Sobral, pai do médico dr. Francisco da Cruz Sobral, a quem foi erigido um mausoléu, em forma de pirâmide no cemitério da Guarda.
A esta revolta, que teve como protagonistas as gentes da nossa região, o povo deu o nome de “Pavorosa”. Não se sabe ao certo qual o real valor militar da guerrilha, mas dizia-se que de Lisboa tinham vindo muitos carros com armas e material de guerra suficiente para armar 5.000 homens.
Haveria um importante apoio de políticos de Lisboa (que seriam os mentores de todo o movimento) e contariam também com a ajuda e direção da Junta Carlista de Ciudad Rodrigo. O principal apoiante em Penamacor era Francisco de Pina Ferraz e, no Sabugal, o padre João de Matos.

Armas em Aldeia da Dona

A Aldeia da Dona, pequena povoação do concelho do Sabugal, seria um centro logístico. No dia 15 de dezembro de 1874, na presença do administrador do concelho de uma força militar da Guarda, foram encontrados, escondidos numa propriedade, canhões, espingardas, rifles, espadas, baionetas e balas. Também na fonte da aldeia foram descobertas muitas munições, que depois foram enviadas para o Sabugal.
Constou, na altura, que o traidor e denunciante destes factos tinha sido o padre da Bismula, António Maria Gomes da Costa, e que o padre Matos de tudo isso teria tido conhecimento ou, pelo menos, desconfiado.
Poucos dias antes tinha havido uma outra denúncia que indicava que, atrás do altar-mor e no coro da igreja do convento da Sacaparte (Alfaiates), havia muitas armas escondidas. No entanto, feitas as buscas, nada encontraram. Estariam num poço, dentro da igreja, mas os soldados tiveram medo de lá descer, pois dizia-se que não tinha fundo e ninguém se atreveu a ir confirmar.

Os “Guerrilhas”

Entre os aderentes à causa “Carlo-Miguelista” estavam os párocos de Aldeia do Bispo, Aldeia da Dona, Aldeia da Ribeira, Aldeia Velha, Alfaiates, Cró, Foios, Lageosa, Malhada Sorda, Marmeleiro, Miuzela, Quintas de S. Bartolomeu, Vale das Éguas, Valongo e Vila do Touro.
Alguns deles, juntamente com muitos portugueses e espanhóis, foram presos e acusados «de pretenderem organizar uma guerrilha Carlo-Miguelina e pelo crime de conjuração, sedição e rebelião, com o fim de restaurarem o regímen absoluto em favor de D. Miguel de Bragança contra D. Luís e sua augusta descendência e por comprometerem os interesses do estado para com a nação espanhola».
Amnistiados, foram soltos no dia 8 de agosto de 1875, terminando dessa forma a “Pavorosa”. Curiosamente, o padre Matos ia entregar-se nesse preciso dia…

O padre Matos

João de Matos nasceu em 1815, em Aldeia da Ponte, e faleceu em 1893 em Aldeia da Ribeira (Sabugal), onde foi sempre pároco.
Não fora a sua desmesurada paixão política, mostrou ao longo da vida ser um homem de grande valor, relacionando-se com as melhores famílias. Odiado por alguns, bem poucos no final, era admirado por muitos.
Quando a velhice já era avançada e achou oportuno fazer testamento, não se esqueceu de mandar rezar missas para que «… a Virgem Sanctíssima se esqueça d’alguns delictos que commetti durante a minha mocidade».
Ele foi o principal chefe da “Pavorosa” e o homem mais perseguido pelas autoridades.
A sua casa em Aldeia da Ribeira, pela sua proximidade da fronteira espanhola, seria o quartel general onde as ordens eram recebidas e tudo era combinado e ordenado. Ali se juntavam padres, fidalgos, professores, capitalistas e ricos proprietários, portugueses e espanhóis.
Orador sagrado dos mais distintos, os seus sermões eram seguidos com calor e as pessoas, que, muitas vezes, vinham de longe para o ouvir, escutavam-no embevecidas, arrancava aplausos e punha os auditórios a chorar.
Perseguido por um exército, apenas uma vez, a 7 de agosto de 1873, foi preso, e apenas por dois dias. A proeza foi cometida por um oficial de lanceiros acompanhado de grandes forças de infantaria, «por lhe potarem que andava selariar gente para asjiliar u don Carlos em Hispanha», segundo o registo do seu carcereiro.
Das suas ligações ao criminoso espanhol Francisco Montejo, intitulado governador da Serra da Gata e general de D. Carlos, resultará uma vida cheia de peripécias e sobressaltos, aos quais, apesar de tudo, sempre soube resistir e ultrapassar.

* Investigador da história local e regional

Sobre o autor

Francisco Manso

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