A pátria, a glória, a justiça e a decadência

Escrito por Jorge Noutel

«Há temas que as pessoas prudentes não versam. Um deles é o da decadência». Assim começa um pequeno texto intitulado “Reflexões sobre a decadência”, da autoria de Paulo Ferreira da Cunha e publicado no número inaugural da “Nova Águia”, no primeiro semestre de 2008. Podendo ler-se mais à frente que: «Esses mesmos temas são precisamente aqueles que é necessário afrontar, para além do cinzentismo da trasladação de ossadas académicas».
Ora, tal como o fizeram os da Geração de 70, cabe aos cidadãos minimamente instruídos e defensores de uma democracia plena lutar pela implantação de meios que possibilitem a purgação dos vírus que minam e corroem a sociedade. Na nossa História da literatura encontramos exemplos vários que nos remetem para uma reflexão séria do nosso ser, estar e fazer em comunidade.
Pouco mais de três séculos depois de “Os Lusíadas”, e algumas décadas antes da “Mensagem” de Fernando Pessoa, a Pátria acaba também por ser o que Teixeira de Pascoaes chamaria de «livros sagrados […] depositários da alma pátria», e o seu poeta, «o seu escultor espiritual», ainda que a sua épica pareça estar às avessas, já que a par da exaltação do passado nacional vinha também a sua execração.

De facto, motivações diferentes em épocas diferentes. Se Camões cantou as glórias de Portugal, profetizando a sua decadência, Junqueiro, testemunhando a decadência nacional, profetizou a possibilidade de abertura a novas glórias. Pátria é, essencialmente, um drama de redenção espiritual dirigido à nação. No mais íntimo de si ecoam palavras que seriam verbalizadas por Pascoaes: «Portugal tem que dizer vive em mim o futuro porque eu sinto a aurora que há-de vir». Vivemos a Decadência! Principalmente a Decadência das instituições, mas, igualmente, ao que Eça de Queiroz se referiu, metaforicamente, ao «inválido-Portugal», esse «doente» que não tinha ninguém que o curasse ou lhe desse «uma vida proveitosa», a um estado em que o país vegetava «na sua sonolência animal», ao «corpo exangue deste malfadado país», à «febre» da sua decadência.

Vem tudo isto a propósito da decadência que hoje se vive numa instituição como é a Justiça! Já ninguém acredita na Justiça, como disse o próprio presidente do Supremo Tribunal de Justiça. O mesmíssimo senhor que, presumivelmente, pactuou com toda a tramoia, pretende ser agora o salvador do sistema. Como é possível?
Como alguém perguntou um dia, quem é o guarda que guarda o guarda? Assistimos a abusos e mais abusos de toda a espécie! Diz-se que não acontecem apenas no Tribunal da Relação de Lisboa! Querem agora sossegar-nos com a abertura de processos. Para quê, se nem sequer se admite que os hipotéticos arguidos possam vir a ser expulsos? Pior ainda é o facto de os presumíveis infratores se agarrarem ao argumento desdenhoso do aproximar do fim da carreira!

É isto a Justiça? Mas há os que são tão ou mais abjetos do que os presumíveis prevaricadores. São aqueles que lavam as mãos, como Pilatos, ou que se escondem atrás dos reposteiros, dos salões caquéticos, com acenos de mãos decrépitas!

Vivemos há demasiado tempo nesta bagunça de todos os abusos, de todas as licenças, de todas as corrupções! Só não vê quem não quer. Como referia Eça de Queiroz, há uma coisa que me desola: «O andar desengonçado, o olhar mórbido e acarneirado, cores pele de galinha, um derreamento de rins, o aspeto de humores linfáticos, a passeata triste de uma raça caquética em corredores de hospital: e depois um ar de vadiagem, de ora aqui vou, sim senhor, de madrice, olhando em redor com fadiga, o crânio exausto, e a unha comprida, para quebrar a cinza do cigarro, à catita».

Como bem diz o bom povo de forma pouco literária, e é isto…

Sobre o autor

Jorge Noutel

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