A minha rua está mais suja do que a tua

Escrito por Fidélia Pissarra

«Como seria bom, nenhum vizinho ter de levar, de volta para casa, o saco do lixo só por o dito já não caber no respetivo contentor»

Sábados, domingos e feriados, logo desde cedo, a ilha ecológica 34 começa a relatar as rotinas de quem chega de carro para lhe acrescentar os despojos das voltas às garagens, sótãos e, vá lá saber-se, de quantos outros apêndices domésticos mais. Desde grelhadores desconjuntados, cadeiras mancas, malas esventradas e caixas, muitas caixas grandes e inteiras, como se desmanchá-las fosse uma afronta para quem assim ali alivia carros dos monos acumulados, de tudo um pouco aqui depositam estes viajantes vindos não se sabe de onde. Por isso, nestes dias, desenganem-se os vizinhos da ilha 34 se pensam que, em qualquer dos três contentores, ainda cabe o seu saquito de lixo, a sua garrafita de cerveja ou a caixa de fósforos. O do lixo doméstico está atulhado com os dois sacos cheios de verdes que o jardineiro da vizinha de cima trouxe depois de limpar e aparar as sebes. As garrafas transbordam no dos vidros. As caixas, bem as caixas e caixotes, juntamente com o lixo que alguém, sem saber muito bem onde o colocar, decide, pura e simplesmente depositá-lo no chão, submergem completamente o dos papeis, pelo menos, até o vento as levar para onde estiver virado. Por isso, aos fins de semana e feriados, o habitual é levar de volta para casa o saco que se quis deixar no lixo. Isso, ou apreciar a cadela preta, toda entretida, a esventar sacos de lixo à dentada e a espalhar espinhas de bacalhau e latas de sardinha vazias pelos relvados circundantes.

Pois bem, se contra a falta de civismo, destes motoristas das lixeiras de fins de semana, pouco ou nada há a fazer, já aos serviços de recolha de lixo, que é como quem diz à autarquia, tudo se pode sugerir. Desde logo, que o pessoal da recolha do lixo se deixe de preguiças e de decidir, se aciona ou não a grua do camião, só com um olhar de relance, atirado mais com a intenção de despachar o trabalho, porque está muito frio para andar na rua, do que de exercer a função. O que, compreendendo-se na perspetiva de quem limpa, porque está mesmo muito frio, na perspetiva de quem paga taxas tão excêntricas por limparem a rua que nunca está limpa fica muito difícil de aceitar. Em alternativa, sempre se podem adotar os costumes suíços ou coisa parecida. O que também não ficaria nada mal era o acesso às ilhas ser feito com uma banda magnética, só disponibilizado à respetiva vizinhança, e as taxas de recolha de resíduos urbanos serem proporcionais à quantidade de lixo que cada um fizesse. Isso é que era. Então, na época que se avizinha, vinha mesmo a calhar. Imagine-se, a ilha ecológica 34, limpinha, sem restos das prendas do Pai Natal de meio mundo a fugir-lhe para os relvados à volta e a cadela preta quieta, em casa, por falta de sacos de plástico pretos com que se entreter pela rua. Como seria bom, nenhum vizinho ter de levar, de volta para casa, o saco do lixo só por o dito já não caber no respetivo contentor. Convenhamos que, além de ser bom, era uma limpeza. Pelo menos, na minha rua.

Sobre o autor

Fidélia Pissarra

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