A máquina de triturar delfins

Escrito por António Ferreira

“Se quiser saber o que se passa, evite ver televisão ou ouvir a rádio, que só lhe vão falar da TAP. Nem vale a pena ouvir o Governo ou a oposição ou, sequer, estar atento ao que se passa na Assembleia da República. Mesmo os jornais de referência começam a cair na demagogia, a dedicar cada vez mais páginas ao que interessa pouco e a esquecer o essencial.”

Já todos perceberam o truque do António Costa quando se quer ver livre de alguém: entrega-lhe a tutela da TAP. Entretanto, enquanto a TAP continua a ocupar a parte nobre do horário nobre, outras coisas acontecem. Muitas são mais decisivas para o nosso futuro e para o futuro dos nossos filhos que a peixeirada da Portela, mas que interessa? O importante é manter o tema na mesa até que as sondagens deem um pretexto a Marcelo Rebelo de Sousa para convocar eleições.
Gostaria de saber o que se passa numa infinidade de outros assuntos, para mim muito mais importantes: o que está o Governo a fazer para combater os efeitos das alterações climáticas? Quando se fala em seca severa já nesta altura do ano, que estratégia há para a conservação e utilização da água? Quantas centrais de dessalinização estão previstas e onde vão ser construídas? Este ano, em que um número recorde de jovens vai entrar na universidade e muitos outros estão a concluir licenciaturas, mestrados e doutoramentos, como planeia o Estado mantê-los em Portugal depois de ter investido muitos milhões na sua formação? Agora que se prevê a chegada da dívida pública a níveis sustentáveis, quando iremos ver um alívio significativo na carga fiscal? Como estão, em geral, as nossas forças armadas? Que estratégia há para valorizar o Serviço Nacional de Saúde, o sistema de ensino, as carreiras dos seus profissionais? Qual a dimensão desejável do nosso funcionalismo público face à nossa população e às nossas necessidades? Que política de imigração deve ser seguida e como nos devemos preparar para o dia em que os descontos de quem trabalha não chegam para pagar as reformas e pensões? E, muito importante, que solução integrada para todas estas questões oferece a oposição? Propõe-se satisfazer as exigências de todos os que reclamam? Propõe-se calar uns e deixar a protestar os outros?
Se quiser saber o que se passa, evite ver televisão ou ouvir a rádio, que só lhe vão falar da TAP. Nem vale a pena ouvir o Governo ou a oposição ou, sequer, estar atento ao que se passa na Assembleia da República. Mesmo os jornais de referência começam a cair na demagogia, a dedicar cada vez mais páginas ao que interessa pouco e a esquecer o essencial.
Entretanto, no interior, e mais propriamente no nosso concelho da Guarda, com os seus 56 habitantes por quilómetro quadrado de deserto, o que se tem passado? As deliberações deste ano de 2023 do executivo camarário giram na sua maior parte à volta de ajudas a associações, clubes e fábricas da Igreja. Foram cancelados concursos de obras prometidas na campanha eleitoral, o que é mau, mas foi lançado um programa de reflorestação da área ardida nos incêndios e de plantação de espécies florestais autóctones, o que é bom. É pena que a dotação para este programa (€50.000,00) seja apenas um terço do que se gastou no “Guarda Folia” de 2023, mas já nos vamos habituando às prioridades deste executivo. Estão aprovados financiamentos com verbas do PRR para a ULS e para o parque industrial. Muito bem, mas e as famílias? Energias renováveis e 5G para as empresas é uma boa ideia, mas a eficiência energética das habitações de uma das regiões que mais sofrem com o clima não seria também uma boa ideia, mesmo que à custa do orçamento para as festarolas?

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António Ferreira

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