Na semana passada o Ministério Público rumou à Madeira para constituir arguido Miguel Albuquerque, o presidente do Governo Regional da Madeira. Foi uma operação impressionante, de filme, que contou com a participação de dois juízes de Instrução Criminal, seis magistrados do MP, seis elementos do Núcleo de Assessoria Técnica da Procuradoria-Geral da República e mais de 270 investigadores criminais e peritos da Polícia Judiciária. Esta operação foi desencadeada na sequência de três inquéritos dirigidos pelo DCIAP e foram executadas 130 buscas domiciliárias e não-domiciliárias na Madeira, grande Lisboa, Braga, Porto, Paredes, Aguiar da Beira e Ponta Delgada.
O Ministério Público investiga negócios de 260 milhões entre o Governo da Madeira e alguns conglomerados empresariais, como o grupo AFA, mas também a sociedade Pestana CR7 ou o Grupo Sousapar. E foram detidos Pedro Calado, presidente da Câmara do Funchal, e os empresários Avelino Farinha e Custódio Correia. A investigação trabalha sobre um emaranhado de negócios que envolvem os mais diversos interesses, contratações e adjudicações diretas na Madeira, do turismo à construção civil.
A frágil maioria que governa a Madeira foi imediatamente posta em causa pelo PAN, que exigiu a demissão de Miguel Albuquerque – o fenómeno de um pequeno partido ser determinante para formar um governo. E o CDS, sócio do governo madeirense, veio pedir o afastamento imediato de Miguel Albuquerque – o mesmo CDS que integra com o PSD a AD que se apresenta às eleições legislativas de 10 de março.
Tudo isto na mesma semana em que três juízas do Tribunal da Relação reverteram parcialmente a decisão do juiz Ivo Rosa na Operação Marquês e mandaram julgar o antigo primeiro-ministro José Sócrates. O processo que há muito deveria estar julgado e sentenciado, para bem da democracia portuguesa, mas que continua a ser embaraçoso para os socialistas e para o Estado de Direito, de um antigo primeiro-ministro continuar sem ser julgado.
A Justiça está assim no centro do debate público, em plena pré-campanha, de umas eleições que só irão acontecer, precisamente, porque António Costa se demitiu – por causa de um parágrafo de um comunicado do Ministério Público pouco antes de serem encontrados 75 mil euros nas prateleiras de um gabinete no Palácio de S. Bento…
Temos, pois, um país político à beira de um ataque de nervos por causa da Justiça. Ou dos atropelos à lei, das negociatas, da corrupção, dos esquemas, dos interesses ou dos excessos de quem tem poder. Ou da lei restritiva, da morosidade processual, mas também da morosidade das decisões, que abre a porta a esquemas e à corrupção, porque quem quer fazer alguma coisa tem pressa e paga por baixo da mesa para tudo ser resolvido mais depressa…
E depois há o país pequenino, da inveja, da cobiça, das conversas de café, das denúncias anónimas, da maledicência, do deitar abaixo tudo o que mexe e falar mal de tudo o que é feito (especialmente na cobardia do anonimato). E, para além do que a investigação poderá provar, há sempre a leviandade geral de esquecer a presunção de inocência, a reserva, a dignidade e o respeito básico pelo cidadão que pode ser investigado, mas que até prova em contrário é inocente.
Nos últimos meses, em Portugal, caiu um Governo nacional que tinha maioria absoluta, demitiu-se um primeiro-ministro, demitiu-se o presidente de um governo regional, vai cair um governo regional, há um presidente de Câmara (Funchal) detido, há políticos arguidos, há outros a ser investigados e há um antigo primeiro-ministro que há 10 anos está acusado de vários crimes, nomeadamente corrupção, mas que ainda não foi julgado – por culpa dele, que recorre de todas as decisões judiciais, porque a lei o permite (e ainda bem) e a justiça é morosa (e ainda bem que é lenta, ponderada e permite o contraditório, a defesa e o recurso). Podemos concluir que a justiça está a ser excessiva; podemos achar que somos um país de corruptos; ou reconhecer que assim se constrói um país melhor.
A Justiça em tempos de campanha
“Temos um país político à beira de um ataque de nervos por causa da Justiça”