A intolerância do medo

Escrito por Diogo Cabrita

A convicção como fundamento da prova é um assunto muito discutido no Direito e teve como grandes opositores os iluministas que entendiam ser esse um abuso do poder dos juízes. “Eu acho que tens cara de ladrão – Vais preso até se investigar!” A prova do crime era livre e arbitrária e permitia-se que o juiz entendesse como suficiente o que lhe parecia ser, dando origem ao encarceramento ou à limitação de liberdade. A obrigação de fundamentação das provas veio mais tarde e tornou-se a opção dos países democráticos. Hoje, na crise pandémica, e no advento da coação para silenciar os que pensam diferente: os negacionistas, os chalupas, os alternativos, os incrédulos, todos os que a convicção (a igreja pandémica) entende como inimigos – vale toda a força discriminatória e vale o antecipar a pena pelo delito não julgado.

O pressuposto é o de que a comunicação social deve ser meio de influência, deve cercear garantias, deve ajudar o populismo penal dos novos fascistas que militam nos partidos, nas fações e nas falanges da nova política. John Locke (1632-1704) coraria de espanto. Voltaire (1694-1778) rasgaria os seus conselhos aos jornalistas. A pandemia construiu-se de um drama pessoal, com uma banda sonora épica e “amordaçante” que transporta o medo e a insanidade que dele resulta. Não somos capazes de controlar o vento, não podemos dominar o mar, não conseguimos destruir o avanço dos vírus e a sua relação com a predisposição genética e a sua incorporação na nossa vida. Devemos e tentamos reduzir o custo do seu avanço, mas o seu percurso é como o do mar que quer levar a praia – leva e depois talvez a deixe regressar.

A pandemia trouxe-nos de volta a 1640, com a acusação fundamentada na convicção. Sabemos pouco de quase tudo e a diversidade de atuações permite-nos contradições chocantes. Sabemos que é a primeira pandemia com preferência pelos ricos, pelos doentes bipolares, pela obesidade (que não controlámos em tempo útil). Sabemos que a morte não dizimou as favelas do México, nem de Luanda, nem de Bombaim. Sabemos que os resultados da surpreendente Suécia ombreiam com os nossos, apesar do que fizemos mais convictamente. A realidade não paga tributo a convicções nem a crenças. Sabemos que os jovens do futebol foram testados incessantemente e não conhecemos nenhum caso em cuidados intensivos. Sabemos que foi permitido ao Facebook filtrar expressão, invocar verdades como regra de discurso. O fascismo das multinacionais foi pedido e advogado por cientistas incultos, foi júbilo quando taparam a boca a Trump.

Está legitimado agora pela esquerda o seu próprio silêncio quando o poder mudar de mãos. Aqui bate todo o erro para o qual Agamben, Slavoj Žižek, e vários pensadores, têm alertado nesta deriva autoritária que o medo – a emoção primária – justifica.

Neste contexto se enquadra o discurso que ouço, quase de queixo caído, aos que querem prender os que recusam vacinas, os que querem cercas sanitário-políticas aos opositores, que pretendem tornar asséptica a vida. Embebidos em medo construído por perigosos servidores da convicção, como as televisões e alguns jornais, eles defendem obrigações de separação – muros, portanto, legislação penalizadora do incumprimento, a recusa de tratamento em quem não pensa como eles. Não lia nada tão fascista desde a minha infância! Amanhã mandam prender os diabéticos tipo II, exigem chicotadas aos fumadores, recusam internamento aos alcoólicos, tudo gente merecedora do castigo de não se absterem!

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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