Muitos apregoam a importância dos orçamentos participativos, no entanto, inculcam uma dimensão centralizadora das maiorias e arrendam genuinamente a democracia participativa, por sinal são os mesmos que de forma estafada argumentam a importância da cidadania, a qual não pode resumir a um desprendido enunciado de direitos.
A cidadania, que gosto de eleger como militância, constrói-se pela intervenção consciente na luta por esses mesmos direitos que lhe são devidos, pelas condições de liberdade económica e social que lhe permitam a sua afirmação, pelo acesso à informação, ao conhecimento e à cultura, primados consagrados na Constituição, mas muitas vezes esquecidos.
Se vista assim, a nossa militância cidadã e a sua afirmação e construção encontra no Poder Local um espaço privilegiado para a resolução de problemas, de elevação das condições de vida, de participação e envolvimento populares. Não pode ser o emaranhado legislativo um lastro para os chamados peritos sugarem aos munícipes o pleno exercício dos seus direitos. Uma cidadania assumida não apenas pelo enunciado do elenco de direitos e deveres, mas como fator de mobilização e participação para que se reduza a diferença entre os direitos proclamados e os direitos assegurados.
Uma cidadania assumida não como conceito genérico capaz de esconder os conflitos sociais e de classe que sob ele perduram, mas como um modo de afirmação dos direitos de cada um, de envolvimento e mobilização cívica das populações, de ativa participação capaz de contribuir para a elevação da consciência política e social das populações indispensáveis à efetivação dos seus direitos.
É por se constituir como espaço privilegiado de participação e de transformação que o poder local se pode assumir como fator de uma cidadania consciente e exigente. A sua proximidade aos problemas e a sua identificação com as principais aspirações populares favorecem o envolvimento e a mobilização, desde logo a importância da água pública sem que haja discriminação na oferta tendo em conta a dispersão territorial. O folhetim desde as Águas do Zêzere e Côa até às Águas de Portugal onera cada vez mais o Poder Local e, por consequência, os munícipes no que diz respeito ao custo da água. Os responsáveis de então, PS/PSD/CDS, são os mesmos que tentam sacudir a água do capote.
Podemos estender as responsabilidades aos mesmos na extinção de freguesias, quando argumentam que não há massa crítica capaz de informar e fazer participar as populações. Saliento que há centenas de equipamentos públicos que deveriam ser novamente reaproveitados para fomentar laços de solidariedade e proximidade.
O dever de um poder democrático é um fator de acerto nas decisões ao serviço do Povo e não de interesses económicos, mas também deve ser um elemento fundamental de formação da ideia de que todos e cada um contam, de que a democracia vai para além da sua expressão representativa. Recordo bem de um debate promovido pelo PCP em torno da questão do urbanismo na escola primária Adães Bermudas há mais de duas décadas, recordo do espaço de reflexão no jornal O INTERIOR sobre esta matéria, ou seja os serviços públicos, com os seus funcionários, deveriam ter esse papel central na educação para a cidadania/militância, tal como acontece no SNS com as sessões de educação para a saúde com os profissionais de saúde.
O pós-pandemia deveria constituir um marco de referência de mudança profunda na utilização dos recursos públicos, onde uma genuína democracia participativa seja alicerce da inclusão social através da militância com a responsabilização ao longo dos percursos dos mandatos. Numa palavra, a refundação da democracia popular, com as escolhas dos seus eleitos, mas também chamar os eleitores às decisões, porventura poderíamos combater algumas das decisões políticas do Poder Central que têm contribuído para depauperar os espaços de participação, contrários ao primado de Abril.
Não são inocentes as tentativas de liquidação do Poder Local, não é politicamente uma entidade abstrata. A contribuição das autarquias para a condução e implementação de uma política de efetivo combate à exclusão depende das opções e orientações dominantes na respetiva gestão. Incluindo os critérios em que assenta uma gestão e participação, os objetivos, expressões e conteúdos dessa participação.
A participação não é um fim em si mesma, mas sim uma condição para a condução e exercício de uma gestão verdadeiramente democrática. Razões objetivas de proximidade e ligação aos problemas e a motivação de participação que suscita fazem do Poder Local espaço privilegiado para a sua efetivação. Seja na sua relação com a população, os trabalhadores da autarquia, o movimento associativo ou a comunidade educativa, a participação baseia-se em elementos que a realizam e lhe dão expressão.
Não há participação sem informação, proximidade, acessibilidade, prestação de contas, desiderato fundamental da nossa intervenção.
Honorato Robalo
Militante do PCP