Foi ontem inaugurada a campanha eleitoral autárquica na região. O até então defunto troço da linha de comboio da Beira Baixa, entre a Guarda e a Covilhã, foi reaberto após 12 anos. A ideia não foi tanto restabelecer a ligação entre uma capital de distrito e uma cidade de referência da Beira Interior, mas essencialmente assegurar a continuidade do transporte ibérico de passageiros e mercadorias entre o Sul do nosso país (Área Metropolitana de Lisboa à cabeça) e Espanha.
Este investimento, de evidente relevância estratégica para o país, envolveu vários Governos e, de uma forma muito empenhada, a Câmara da Guarda, cujo presidente à data, Álvaro Amaro, tudo fez para sensibilizar o ministro da Economia do governo PSD-CDS, Pires de Lima, e o presidente da CP, Manuel Queiró, a elegerem este projeto como exequível e prioritário. Era, por isso, justo que a Guarda tivesse uma centralidade reforçada na simbólica cerimónia de inauguração da obra, tanto assim que se transformou a partir de agora na única superfície geográfica portuguesa que congrega e une duas linhas ferroviárias (a da Beira Baixa e a da Beira Alta) e dois eixos rodoviários (a A23 e a A25) estruturantes para Portugal e vitais para um “porto seco” que tarda em emergir nestes segmentos de concordância.
Mas não. Sem nenhum respeito e sem o menor sentido de Estado, o Governo subalternizou a Guarda e promoveu a Covilhã. O programa que desenhou esqueceu propositadamente um lado e pôs tudo do outro. Na Guarda, os governantes subiram a escada do comboio, sem dizerem uma palavra. Na Covilhã, descerraram a placa evocativa, apresentaram a empreitada e fizeram os seus discursos. Foi nessa cidade que se mediatizou o evento e foi lá que tudo aconteceu aos olhos do país. Nem os presidentes das respetivas Câmaras foram colocados em pé de igualdade. Um falou, o outro não.
Não está em causa a importância que cada uma das cidades tem no contexto regional e também não prepondera o facto de uma ser capital de um distrito e outra não. O que se evidencia é que o critério da escolha foi apenas um. Mesquinho, rasteirinho e inversamente proporcional à inegável relevância desta obra. Uma Câmara é PS, a outra é da oposição (PSD). Para a visão pérfida e propagandística do Governo, nada melhor que aproveitar uma obra pública, paga com o dinheiro do povo, para enaltecer um candidato a uma autarquia “da família” e ignorar um outro que o não é.
Há eleições autárquicas em setembro, e a Guarda, cujo autarca é recandidato, não pode, aos olhos do Governo, aparecer e ter voz, em contraponto com o da Covilhã, que a precisar de um “boost”, tinha mesmo de ser o mestre regional da cerimónia. Parece inócuo falar disto, mas não é assim tanto. O Governo e o partido que o suporta confundem-se, fundem-se promiscuamente um no outro e apropriam-se sem o menor pudor de investimentos que não têm dono. Numa democracia adulta, obras desta dimensão dispensam bem estes ardis táticos, que só promovem a cisão e a discriminação entre regiões e apenas envergonham quem os pratica. Os eleitores, saturados deste fado, estão muito mais atentos do que podem pensar aqueles cérebros congeminadores destas idiotices de caserna.
Mas o que verdadeiramente fica para a história não é a indecente e má figura de quem ainda tenta valorizar o território apenas pela cor do partido que o administra localmente. O que fica mesmo é que o país, com o esforço de muitos, tem agora uma outra ligação ferroviária rumo à Europa, assumindo-se o distrito da Guarda como uma das mais importantes plataformas logísticas nacionais. E esta é uma realidade e uma oportunidade que, no futuro, não se podem desperdiçar.
A Guarda nos carris
«Há eleições autárquicas em setembro, e a Guarda, cujo autarca é recandidato, não pode, aos olhos do Governo, aparecer e ter voz, em contraponto com o da Covilhã, que a precisar de um “boost”, tinha mesmo de ser o mestre regional da cerimónia»