A fábula, no cozido à portuguesa, falada agora em alemão

Escrito por Albino Bárbara

As fábulas são textos literários, protagonizadas por animais, narram pequenas virtudes, alguns vícios e terminam quase sempre naquilo que convencionalmente designamos por lição de moral. As histórias começam assim “Era uma vez…”
O grego Esopo foi o pai da fábula dando o mote ao romano Caio Fedro. É, no entanto, Jean De La Fontaine que assume todas as fábulas. Ao bom do francês jamais lhe passaria pela cabeça que os seus textos pudessem vir a encaixar a 100% nas pequenas/grandes historietas das tais “toy stories” de terror, contadas no cenário quotidiano do bem conhecido cantinho à beira mar plantado:
A cigarra preguiçosa, a raposa sem rabo, a galinha dos ovos de ouro, a lebre e a tartaruga, o pavão invejoso e ainda um lobo imprudente são fábulas da vida real, do desporto, da sociedade, da tropa, da política onde ganham destaque e marcam permanente presença os oportunistas do sistema, os vígaros de cá e de lá, os ladrões e, isto sem esquecer, os vendidos, os rendidos aos holofotes das passerelles da vaidade, das tais ditas “fakes news”. E neste tão bem preparado cozidinho à portuguesa pergunta-se:
Será que o verniz não estala quando se pintam as unhas? Será que desde Viana todas as virgens têm de ser ofendidas? E as alheiras de Mirandela, neste cozido, tornaram-se azedas e indigestas?
Pois bem, os valores estabelecidos na Lei nº 4/85 de 9/04, com uma série de revogações à mistura, determinam que Sªs Senhorias tenham um vencimento base de 3.624 euros mais despesas de representação, no valor de 370 euros + 69 euros por dia em ajudas de custo por presença + deslocações em trabalho político 376 euros (Dec-Lei 137/2010) a ainda 36 cêntimos por km em carro próprio numa viagem semanal entre a residência e a Assembleia, e vice-versa. Tudo somado passa dos 5.000 euros, percebendo-se, que segundo o estatuto da casa da democracia, o deputado perde o mandato deixando de comparecer a quatro reuniões do plenário.
É neste contexto que damos conta dos apêndices, dos boy’s e girl´s, dos apresentadores e das apresentadoras da “society”, dos gestores iluminados, dos fazedores mercantilistas das célebres PPP’s, dos da banca e da empresa pública, dos nomeados e dos provenientes de algumas economias subterrâneas.
Cristiano, mesmo a dormir, ganha 3.400 euros por hora. 57 euros por minuto.
E é aqui que temos de olhar para a outra face. Assim, no revés da medalha verificamos que as Alices não estão todas no país das mil e uma maravilhas.
No recente inquérito, do insuspeito INE, às condições de vida e rendimento, verificamos que através do Observatório das Desigualdades, um quarto da população portuguesa (2,5 milhões de almas), nossos concidadãos, são pobres ou estão em risco de pobreza ou de exclusão social.
Pois bem, no país de abril continua a haver desigualdades gritantes, continua a haver dois pesos e duas medidas e, todos nós, de uma ou de outra forma, somos corresponsáveis por elas.
Como servidor do Estado, todos os dias sou obrigado, e bem, a fazer o registo biométrico de reconhecimento digital à entrada e à saída do serviço, não havendo senhas, palavras passes ou qualquer outra forma de marcar a minha presença. Se assim é, e partindo do princípio que Sªs Senhorias também são servidores do Estado, a pergunta torna-se pertinente:
Depois de tanta bronca, de tanta justificação, de tanto palavreado barato, de tanta polémica, porque será que não existe na Assembleia da República o tal registo biométrico para colocar o dedo à entrada e à saída dos trabalhos?
Sempre me disseram que o exemplo deve vir de cima e, como a língua alemã parece estar em voga, termino: “Ich wunsche ihnen noch einen schonen tag”. (traduzindo, “resta desejar-lhe um resto de dia feliz”).

Sobre o autor

Albino Bárbara

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