A luz elétrica na cidade da Guarda
Em 1896 a Câmara da Guarda, pretendendo dar mais visibilidade e dinamismo à cidade, deliberou abrir um concurso para fornecimento de iluminação através de eletricidade. O presidente da Câmara, Vital Pereira Franco, anuncia, em 31 de março de 1896, que se encontrava aberto o respetivo concurso para a iluminação pública e particular. Francisco Pinto Balsemão, que teria sido o inspirador da ideia de eletrificação, foi o único concorrente, tendo-lhe sido adjudicado o fornecimento exclusivo de eletricidade para iluminação pública, particular e usos industriais. O período de concessão era de 50 anos e abrangia o perímetro da cidade delimitado pelo Chafariz da Dorna, o Chafariz de Santo André, o Quartel Militar, o Clube Egitaniense e o Matadouro Público.
A Câmara garantia um consumo mínimo de 150 lâmpadas de 16 velas na iluminação pública e permitia ainda que a concessão pudesse ser transferida a terceiros. É neste contexto que, em 1898, é constituída a Empreza da Luz Electrica, com escritório na Praça Luís de Camões, que, por escritura pública de 5 de agosto de 1907, passou a Empreza da Luz Electrica da Guarda, Lda., sociedade por quotas, entre Francisco Pinto Balsemão, Francisco António Patrício e Evaristo Patrício.
Estipulava ainda que, após o contrato ser superiormente aprovado, o concessionário teria um prazo de 18 meses para realizar as obras necessárias e fazer o fornecimento de luz elétrica à cidade. Após várias prorrogações do prazo, foi estabelecido o dia 31 de dezembro desse mesmo ano como limite para a conclusão das obras.
O Pateiro
Para a produção de eletricidade e instalação da central elétrica foi escolhido cuidadosamente um local na margem direita do rio Mondego, conhecido por Pateiro, a jusante da povoação dos Trinta. Foi necessário construir um açude no leito rochoso do rio, e um canal de derivação, para condução da água da albufeira. Teve, ainda, que ser feito um dique para receber a água, e uma conduta até às turbinas. A casa das máquinas foi construída junto do leito do rio. No dia 1 de janeiro de 1899 tudo estava pronto, e a «luz eléctrica para iluminação d’esta cidade» tornou-se uma realidade, inaugurando «uma nova época de prosperidade e progresso para a nossa terra».
No dia 8 de janeiro de 1899 dizia o jornal “Districto da Guarda”: «Como tínhamos previsto, a nova iluminação da cidade satisfez por completo aos mais exigentes, sendo muito fixa, bastante clara e, em geral, bem distribuída. Na noite da inauguração houve verdadeiro e sincero regozijo público, notando-se em todos um grande entusiasmo por tão apreciável melhoramento».
Mas, passado pouco tempo, as deficiências começaram a evidenciar-se. No Club Egitaniense a luz seria tão fraca que mal se podia ler o jornal e na sala de jogos mal dava para se verem as cartas de jogar. Havia também uma situação irritante, é que sendo a luz uma forma de ostentação, convidavam-se os amigos para ver aquele luxo. Assistia-se, com toda a solenidade, pedia-se aos visitantes para fechar os olhos, dava-se a volta ao botão, e nada, afinal, não havia luz. Era uma vergonha! Tem que se entender que embora a luz estivesse disponível eram raras as casas que podiam, ou queriam, usufruir das suas vantagens. A eletricidade faltava, dizia-se, porque era desviada para a Fábrica do Rio Diz, contra o contrato, mas a Câmara consentia atendendo aos muitos empregos criados pela empresa.
É assim, que o “Districto da Guarda” afirmava em 1903:
«Ultimamente a luz elétrica começou a ter defeitos, ou por falta de corrente com a devida intensidade para certos pontos da cidade, ou por motivo de modificações na instalação que não saíram muito à vontade dos empresários que queriam aproveitar as instalações para luz, a fim de servirem também para a sua fábrica no Rio Diz». A empresa ia-se desculpando com a longa estiagem e a consequente falta de água, mas, mais tarde, teve que substituir os geradores.
Mas, o que é certo é que os habitantes passaram a ter mais conforto e segurança à noite, e que inovação tecnológica que a eletricidade representou trouxe muitas vantagens ao funcionamento do Sanatório Sousa Martins e do Hospital da Misericórdia.
A paróquia de Trinta
A Junta da Paróquia de Trinta tinha cedido terrenos e várias facilidades à Empresa da Luz Eléctrica, que, em troca, se comprometeu a fornecer luz elétrica à aldeia. No entanto, só em 1912, depois de várias ameaças, a promessa veio a ser cumprida. Foi a 6 de janeiro, um dia grande na aldeia, com festa rija, abrilhantada pelas bandas filarmónicas da Vela e Vale de Azares em dois coretos profusamente decorados e, é claro, iluminados a eletricidade. À noite houve um magnífico arraial com fogo de artificio à moda do Minho.
Tempos finais
Com o falecimento de Evaristo Patrício em 1910 e de Francisco Pinto Balsemão em 1912, as quotas da Empresa da Luz Eléctrica passaram para os seus herdeiros e a partir da década de 1920 deixam de ter um carater familiar, passando a ser sucessivamente administradas por diversas empresas de distribuição de energia elétrica.
A Central do Pateiro, com a sua pequena produção, uma potência instalada de 0,3 MW, continua a funcionar, sendo explorada pela EDP. É a mais antiga do país ainda em funcionamento. Logo ao lado, como que uma irmã mais nova, nasceu em 1993 a barragem do Caldeirão.
*Investigador da história local e regional