Qual Cavaco Silva, Rui Rio não é político e de tal forma assim é que chegou à liderança do PSD com o nobre propósito de dar um “banho de ética” aos políticos profissionais e à sua forma amoral de estar na vida pública. O problema é que, volvidos três anos, entre o princípio enunciado e a realidade praticada vingou a fome de poder e, pelo meio, a água com que o presidente do PSD se propunha banhar os seus não-pares políticos já só serve para dar banho ao cão.
Qual aprendiz de Maquiavel, Rio faz agora questão de separar a moral ética da política. Seguindo as pisadas do pensador florentino, também Rui Rio concluiu agora que o exercício da política tem como objetivo decorrente a conquista e a preservação do poder. É a ideia de que a atuação do político não pode cingir-se aos normativos éticos e dos valores, sendo portanto necessários instrumentos que, através da ação política, priorizem a prossecução das metas pretendidas, nem sempre (e cada vez menos) consonantes com a ética com que Platão sonhava construir o estado ideal.
Na recente entrevista que concedeu à TVI – em que, seguindo o tutorial cavaquista, repetiu à náusea que “se fosse político” ou se “percebesse de política” -, o presidente do PSD quis negar o significado e as potenciais consequências da solução governativa encontrada nos Açores, e que admite usar na Assembleia da República. A mesma pessoa que se propunha exercer uma liderança moderada e de centro-direita em oposição aos excessos “passistas” decidiu escancarar a porta a alianças com a extrema-direita populista, xenófoba, racista e pueril e que é a antítese dos princípios humanistas que serviram de base à fundação do PSD.
Porquê? A resposta foi revelada pelo próprio, na TVI, quando admitiu considerar – “sim, acho que sim” – que o desgaste do Governo em virtude da crise pandémica e que a crescente dificuldade de António Costa para governar apoiado na esquerda o deixam, finalmente e ainda que as sondagens não o demonstrem (teima em não descolar dos 20 e pouco por cento), mais próximo de ser primeiro-ministro. Serve isto para concluir que o tão proclamado “interesse nacional” que Rio dizia nortear a sua ação política foi hoje substituído pelo utilitarismo “maquiavelista” em que os fins justificam os meios (expressão erradamente atribuída a Maquiavel, mas consonante com o pensamento do autor)? Parece que sim.
Rio desfez assim o cordão sanitário que ainda protegia o regime democrático de um partido anti-sistema cujos valores são absoluto contrário dos alicerces de qualquer democracia liberal e com isso legitimou a participação de André Ventura no arco de poder e do Chega como partido capaz de determinar a governação. O líder social-democrata explica candidamente que isso não é problema, porque o tempo obrigará o Chega, que “existe pela negativa”, a afirmar-se pela “positiva”. Na Itália, por exemplo, a Liga de Salvini conseguiu positivamente pôr o humanismo no lixo e deixar centenas de vidas à deriva no Mediterrâneo.
Pior ainda, o relativismo moral da estratégia de Rio tenderá a reforçar o Chega e a fragilizar o PSD. É que um partido como o Chega cresce quanto os eleitores não veem na oposição alternativas fortes e válidas, quando a divisão reina e a instabilidade grassa. Por outro lado, invalida a possibilidade de voto útil no PSD, porque os eleitores descontentes ficam livres para votar Chega pois tal não impedirá os sociais-democratas de liderarem o governo, ainda que com a extrema-direita. Este seria um erro crasso para políticos profissionais, mas desculpável e compreensível num líder como Rio, inexperiente no mundo da política que tanto abomina.