A chuva intensa que caiu na passada semana provocou, como é do conhecimento público, elevados prejuízos na freguesia de Sameiro (Manteigas).
A força das águas danificou habitações, destruiu telhados, arrastou viaturas, derrubou postes de iluminação pública, provocou inúmeros e elevados prejuízos. Era, aliás, previsível a ocorrência deste tipo de situações face à tragédia que se abateu sobre a Serra da Estrela. Na nossa memória devem continuar presentes as imagens das labaredas que destruíram histórias de vida e trabalho árduo, dizimaram espécies animais e vegetais, transformaram a cor da esperança num crepitante manto negro onde ficaram comoventes súplicas de troncos carbonizado, quais esculturas de terror e morte… e muitos desses troncos de árvores irremediavelmente feridas foram agora lançados na fúria da água e da lama…
Sobre o fogo que lavrou na Estrela há múltiplas questões que têm de ser equacionadas, esclarecidas, resolvidas com decisões firmes, sem subalternizações geográficas ou em função do peso dos indicadores demográficos na definição do quadro político. Somos todos Portugal e a Serra da Estrela, o interior recusa a ser tratado como até acontecido até aqui, pesem argumentos (sobretudo eleitoralistas) em sentido contrário. Não podemos continuar a ser, «socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados» (na elucidativa expressão de Torga) e a merecer atenção apenas em dias de tragédia ou de lamentáveis episódios.
Passados que foram os dias de desespero, anunciadas as intenções governamentais de tornar a Serra da Estrela «melhor do que estava», declarada e definida a situação de calamidade pública, feito o balanço dos prejuízos, identificados os casos onde deve haver um apoio urgente, anunciadas as verbas a aplicar, importa passar das palavras aos atos. Há que desencadear medidas que não pactuem com o tradicional esquecimento e comodismo, ou fiquem enredadas na sobreposição de esferas de competências institucionais, com as consequentes demoras nas decisões específicas. Em especial as relativas aos auxílios e apoios a quantos viram dizimados os seus haveres e meios de subsistência.
Neste contexto, é justa uma referência às associações e aos voluntários que imediatamente estiveram no terreno serrano e foram ao encontro das pessoas, sobretudo mais idosas e fragilizadas. Esta solidariedade deve ser enaltecida e servir de desafio a todos quantos sentem e vivem a Estrela que nos guia; onde deve ser célere a planificação, escolha cuidada de espécies autóctones e pronta reflorestação.
Escrevia João de Araújo Correia que «(…) o melhor remédio curativo e preventivo contra a corrupção do ar é o arvoredo. Onde houver uma árvore, há uma fonte que lava o sangue do homem. Quero até crer que lhe lava a alma como transcendente espelho de beleza. Hoje, que a alma comum se deixou inquinar, só à vista da árvore se pode desencardir (…)». E só com novas árvores retiraremos o manto de luto que continua estendido por uma larga área da Serra.
A dimensão e as consequências do fogo que deflagrou num Parque Natural, numa zona classificada como geoparque mundial da UNESCO (a merecer mais informação e sinalética) não podem ser esquecidas pelas entidades governamentais e autárquicas, a quem se deve exigir atuação preventiva, firme e eficaz no quadro das suas competências.
A Serra da Estrela «em cujo seio de pedra palpita o amorável coração de Portugal» (Ladislau Patrício) pode e deve ser um símbolo de unidade de esforços, competências, recursos e ideias, alargado a todo o território nacional em prol de um harmonioso e equilibrado desenvolvimento.
Entretanto, a Estrela continua majestosa, convidativa à (re)descoberta em qualquer época do ano e suscitando um vasto conjunto de percursos e propostas ao longo dos territórios que a têm como guia perene.
A Estrela que nos guia…
“Há que desencadear medidas que não pactuem com o tradicional esquecimento e comodismo, ou fiquem enredadas na sobreposição de esferas de competências institucionais, com as consequentes demoras nas decisões específicas. Em especial as relativas aos auxílios e apoios a quantos viram dizimados os seus haveres e meios de subsistência.”