O Plano de Recuperação e Resiliência esteve na origem das eleições que deram a maioria absoluta a António Costa. O PSD queria muito a gestão dos quase 17 mil milhões de euros e a esquerda radical estava farta do PS. É claro que acabou por ser para eles pior a emenda que o soneto, e aqui estamos à beira da grande pândega nacional.
Por uma vez, em lugar de se calar, e devia fazê-lo mais vezes, Marcelo Rebelo de Sousa avisou que estaria atento à forma como as transferências da União Europeia seriam aplicadas. É verdade que foi mais no sentido em como iria fiscalizar a execução, de modo a que essas verbas fossem efetivamente aplicadas, mas acredito que essa vigilância possa ter efeitos naquilo que começa a preocupar muita gente.
Em Portugal tornou-se quase impossível a obtenção de consensos entre os maiores partidos. António José Seguro quase cortou relações com Pedro Passos Coelho e os sucessores de ambos não conseguiram quebrar o gelo. Os orçamentos são sempre chumbados pela oposição, mesmo sabendo que iriam fazer o mesmo (Passos, por exemplo, acabou por cumprir ao serviço da troika o PEC4 de Sócrates).
Perante a avalanche de dinheiro que aí vem prevê-se a sua distribuição de acordo com critérios partidários, e daí o enorme interesse em estar no Governo quando começar a chegar. O resto, depois de satisfazer as clientelas vai ser aplicado de acordo com os ciclos eleitorais. Será o PS a fazê-lo, mas o PSD faria exatamente o mesmo. Costa nomeou como secretário de Estado um duvidoso gestor de fundos públicos, mas o PSD teria muitos, com as mesmas qualificações e escrúpulos, para o mesmo lugar. Posso estar a ser injusto, mas desde pelo menos a entrada na então CEE foi a isto que nos habituaram.
De momento, verifica-se que o próprio Estado foi o recetor da maior parte das transferências. Serão pagos melhores salários, mais subsídios, na expectativa do correspondente retorno em votos. Sabem os maiores partidos que o PRR poderá render pelo menos mais um mandato, e daí também o interesse de Marcelo, conhecido adepto do PSD. Montenegro vai também berrar quanto puder e desvalorizar cada concretização do plano, como berrou por interposto Rangel contra o acordo energético celebrado pelos países ibéricos com a França. Política como sempre, mas e o interesse nacional?
Há investimentos que não dão votos mas são indispensáveis para o interesse nacional, como por exemplo a revitalização do interior. O literal carrega o peso da esmagadora maioria da população, mas não só porque os portugueses gostam de estar perto do mar. É que foram ali concentradas infraestruturas, universidades, foram para ali deslocadas empresas, centros de decisão. É ali que se pagam os melhores salários e estão ali as melhores oportunidades de negócio. Do PRR espera-se que seja distribuído maioritariamente por essa faixa ao longo da costa e vai sê-lo, nem que seja pela inércia de quem manda deste lado.
A população total do distrito da Guarda é inferior à de muitas freguesias das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Por cá, trata-se de passadiços, baloiços e eventos. Podem ajudar visitantes a passar por cá um bom bocado, pelo menos algumas horas, mas não resolvem os grandes problemas. Projetos estruturantes, ou que possam verdadeiramente atrair investimentos e população, criar postos de trabalho e evitar a emigração dos nossos jovens, não se veem. Tudo isso, associado à cegueira de Lisboa, promete muito pouco para o nosso futuro.
À espera de um lugar à mesa
“Há investimentos que não dão votos mas são indispensáveis para o interesse nacional, como por exemplo a revitalização do interior. “