A conspiração do estacionamento

Escrito por António Ferreira

«Numa cidade onde se pagam das mais altas taxas de IMI do país, taxas essas que são receita da autarquia, seria de esperar um pouco mais de respeito pelos contribuintes»

A Câmara Municipal da Guarda parece ter um problema com quem trabalha no centro da cidade. Os estacionamentos são escassos há muitos anos e só com a construção do TMG e com o centro comercial La Vie se criaram estacionamentos de longa duração, mas nenhum no centro da cidade. Aqui proliferam os parquímetros, limitados a duas horas e, portanto, de duas uma: ou se arrisca a multa ou tem de se interromper o trabalho. Dirão que a cidade é pequena e não se justifica mais estacionamento do que aquele que existe, que em Lisboa as distâncias entre o trabalho e o sítio onde se deixa o carro são maiores, que somos é todos uns comodistas mal-habituados. Pois, mas quem o diz tem estacionamento gratuito no edifício da Câmara Municipal e não pensa nos incómodos que passa quem trabalha ou precisa de vir ao centro e tem de ir à chuva desde os confins onde deixou o carro para o seu local de trabalho ou destino.
O pior não é essa indiferença. Para sermos francos, estamos habituados a ela desde os tempos do Abílio Curto. O pior é a conspiração para tornar a situação ainda pior com a sequência de acontecimentos, obras e ocasiões que roubam todos os dias mais uns lugares aos poucos existentes onde podemos deixar os carros. Agora são as obras pré-eleitorais nalgumas artérias da cidade, a que se juntam a retirada de muitas dezenas de lugares de estacionamento a pretexto da filmagem de um filme – e tudo no momento em que se inicia o desconfinamento e mais gente vai querer chegar ao centro da cidade.
Seria este o momento para soltar umas profanidades, mas contenho-me. Há décadas que refilo contra a situação, sem qualquer sucesso. Apesar de a Guarda ser cada vez mais uma cidade de serviços e de estes se concentrarem no centro, apesar de a população ter sido empurrada para a periferia, apesar de os transportes públicos na cidade serem claramente insuficientes, continua a haver na Câmara quem ache que é preferível atirar com umas feiras, umas filmagens e todo o lixo propagandístico para o centro à custa de quem quer trabalhar lá.
Numa cidade onde se pagam das mais altas taxas de IMI do país, taxas essas que são receita da autarquia, seria de esperar um pouco mais de respeito pelos contribuintes. Com o muito dinheiro que se tem desbaratado em tretas irrelevantes, há muito que se teria implementado um sistema de pagamentos de parquímetros pela internet, como há, por exemplo, em toda a região de Lisboa e começa a haver um pouco por todo o país. Ou então teria avançado, há décadas já, um parque de estacionamento subterrâneo no centro da cidade, ou, do mal ou menos, teria sido instituído um sistema de transportes públicos a sério. Ou então tudo isso. Mas não, há coisas mais importantes, como sejam as feiras, fartas ou de São Francisco, os carnavais e tudo o mais que o desconfinamento venha a permitir. Já não há pachorra.
Juro-vos uma coisa: enquanto se não resolver o problema do estacionamento no centro da cidade vou votar sempre contra quem estiver no poder.

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António Ferreira

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