A castração química do PSD

Escrito por António Ferreira

«O que André Ventura fez foi apenas dizer a essas pessoas que não precisavam de continuar a votar no PSD, que agora tinham um partido que acolhia as suas ideias»

Há muitos portugueses que pensam como André Ventura. Muito mais gente do que julgaríamos acha que os emigrantes deveriam ser mandados para a sua terra, que se devia acabar com o Rendimento Social de Inserção, que há deputados a mais, que os pedófilos deviam ser castrados (ou condenados à morte) e que o lugar dos ciganos é em guetos ou na cadeia. Esses portugueses pensam também que deve ser outra vez instituída a pena de morte, ou pelo menos a prisão perpétua, que os incendiários deviam ser atados a um pinheiro a arder, que os políticos são todos uns corruptos e, já agora, que o aquecimento global e a pandemia não passam de invenções da esquerda.

É interessante verificar que muita dessa gente votou até agora no PSD, embora enquanto mal menor. Conheci muitos que o faziam, embora se queixassem que o Partido Social Democrata não era «suficientemente fascista». Ansiavam por um homem forte, que pusesse ordem «nisto», e julgaram encontrá-lo em Cavaco Silva, mas apenas conseguiram com ele, e com os outros presidentes do PSD, colocar um travão ao avanço da esquerda. É precisamente aqui que está o problema para eles: a esquerda é o mal absoluto e vale tudo para a travar. É na esquerda, dizem, que nascem os subsídios para quem não trabalha nem deixa trabalhar, que se inventam problemas e direitos que prejudicam as empresas, que se protegem os emigrantes, os ciganos e todos aqueles que tiram aos verdadeiros portugueses aquilo que é direito exclusivo destes. E nem falemos da perda das colónias.

O que André Ventura fez foi apenas dizer a essas pessoas que não precisavam de continuar a votar no PSD, que agora tinham um partido que acolhia as suas ideias. Admira que não tivesse aparecido ainda um partido como o Chega, tão grande era a sua base potencial de apoio. As tentativas anteriores tinham como destinatários os retornados das ex-colónias e os saudosistas do antigo regime, mas deparavam-se com a enorme desvantagem da memória dos que ainda se lembravam da crassa miséria de antigamente e de como estávamos muito melhor em democracia. O Chega não se limita a essa memória e agarra em mensagens concretas e simples, mesmo que erradas: os pretos, os ciganos, a suposta tolerância dos partidos tradicionais perante a criminalidade em geral e, em especial, a corrupção e a pedofilia. Com isto ganha uma aparência de lutador contra o mal, de paladino das causas boas, nas quais os outros não tocam ou não fazem o suficiente.

É evidente que não precisamos do Chega para combater a corrupção ou a pedofilia, é evidente ainda que é necessário haver RSI para os excluídos da sociedade e que precisamos de todos para construir um país melhor: precisamos dos ciganos, dos negros, dos emigrantes. É evidente também que a criminalidade não é o maior problema do país, nem sequer a corrupção.
Entretanto, o PSD, que deveria saber melhor, acaba de validar o pior que há no Chega e de dizer a muitos dos seus votantes que há agora um outro partido, legitimado por si, que talvez defenda melhor os seus interesses. Esta aliança crapulosa e imbecil vai sair muito cara a todos, começando pelo próprio PSD.

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António Ferreira

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