A aldeia da roupa suja

A política portuguesa chegou ao estado de elevação civilizacional a que se costuma chamar “Nirvana”. Não o patamar último do percurso espiritual do Budismo, a que equivale a extinção das humanas paixões, mas a banda oriunda do grunge de Seattle, que despejava para as guitarras precisamente todo o espectro possível de sentimentos. Tal como os Nirvana de Kurt Cobain, a política portuguesa é uma barulheira infernal em que não se entende quase nada do que é dito, e onde as vozes dos intervenientes são mais ruidosas do que a electricidade amplificada das guitarras de Kobain e Novoselic. E tal como o álbum que tornou os Nirvana mundialmente famosos se chamava “Nevermind”, o que vai tornando famosos alguns políticos portugueses é exactamente a mesma coisa – a atitude de “Quero lá saber”.

Não querem saber se traficam, se roubam, se apalpam, se combinam, se seduzem, se insultam, se manipulam, se bebem, se corrompem, se abusam. Ninguém é culpado, ninguém é inocente.

É como adolescentes a trocar cromos. “O teu é pedófilo. O dele é cacique. O nosso é corrupto. O vosso é chico-esperto.” Não se pode generalizar. Diz-se que agora, para defender a classe política do populismo, não se pode falar de quem utiliza a política como forma de favorecimento. É como acreditar que uma cárie deixa de cheirar mal se o dono não abrir a boca.

Há uma boa consequência de haver práticas imorais nos partidos moralistas. Por haver gente que roube malas, conduza embriagado e assedie menores no partido que quer acabar com o crime, e por haver quem pratique recibos verdes, especulação imobiliária e arrendamentos locais no partido que quer acabar com o capitalismo, falar dos políticos que prevaricam já não

pode ser considerado uma dádiva ao populismo. À esquerda e à direita, os populistas também vão chafurdando no mesmo charco onde costumavam apontar com verdadeiro regozijo e falso pudor as criaturas que ali se viam badalhocas de lama. Deus e o Diabo assim os mantenham.

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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