“Binge watching” é traduzido de modo livre por “visionamento bulímico” e fala da doença de ver televisão (séries, filmes, etc) ininterruptamente. Sabemos que os canais tendem a adequar os seus conteúdos aos alvos que somos nós e que vão construindo armas de perceção dos interesses de cada um. No mundo ideal das televisões, vemos aquilo que eles já perceberam que nos vicia. Será uma cultura da imagem e dos ecrãs produzida por algoritmos que detetam e organizam as nossas escolhas. Este futuro carece de estudo e atenção, mas a sua existência já é presente no vício do sofá frente à TV, ao telefone e ao portátil. O “telemomem” substituiu o sapiens e deixa-se induzir, sugestionar.
O sedentarismo bulímico, a saciedade de uma necessidade inexistente: comer por estar sentado e “já agora” petisco, transporta a sociedade à obesidade, e à epidemia maior do século. O vírus gordo é a maior causa de morte, arrastando com ele a hipertensão, a diabetes, a obstipação, as doenças de sobrecarga das articulações e ossos, as doenças pulmonares, a doença do sono. Este síndrome metabólico mata muito mais gente que o HIV, que o H1N1, que o Sars-Cov2, aliás, mais que os três vírus juntos. Numa governação para a saúde, a aposta dos ministérios deveria ser no combate ao sedentarismo e na defesa de estilos de vida saudáveis e por uma prevenção eficaz.
Não é menos verdade que o inimigo público principal são os cartéis que influenciam a alimentação e depois o tratamento das doenças derivadas da construção da obesidade. Os “clusters” dos medicamentos influenciadores da cor, do gosto, do tamanho, da durabilidade dos alimentos estão já em todos os alimentos processados e colocados à venda nos hipermercados. O poder destas empresas estende-se ao que colocamos na terra, às rações dos animais e aos ciclos de vida de espécies verdes animais, nascendo mais depressa, crescendo mais rápido e reproduzindo-se mais vezes. Este é o ponto de ordem para uma nova política, uma nova dimensão organizativa das sociedades. Aquilo que comemos e a forma como comemos é lugar de uma reestruturação do pensamento. As consequências desta reflexão são ideológicas e definem outro posicionamento que já não será de esquerda ou de direita, nem conservador ou modernista. O cidadão gordo, que se alimenta sem cuidar do trato que damos aos animais, sem pensar no sal que utiliza, nos açúcares que ingere é um padrão em fim de ciclo. Os cidadãos do amanhã saudável exigem uma mortalidade menor, uma redução na execução das espécies, não querem as vacas que pastam onde esteve a Amazónia, escolhem melhores produtos, praticam exercício, retiram os sofás da sala de estar e colocam passadeiras para caminharem frente a uma televisão que tentarão controlar nos seus conteúdos. Estamos à porta de um confronto ideológico brutal onde tudo se modifica.