Luís Baptista-Martins Opinião

Nem a Serra da Estrela se salva

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Não há palavras! As temperaturas historicamente altas deste verão foram decisivas para a tragédia que a nossa Serra está a viver. Mas têm de se procurar outras razões para o pesadelo do fogo ter destruído a Natureza na Serra da Estrela. Muito para além da narrativa dos incendiários ou do abandono do campo, o aquecimento global não é, não pode ser, a única explicação para que um fogo se propague durante dias num Parque Natural.
A incapacidade para controlar o fogo na Serra foi muito mais do que incúria na limpeza da floresta, incapacidade no combate às chamas ou falta de meios, foi tudo isso e uma enorme falta de planeamento antes e durante o fogo, de que os comandos nacionais são um embaraço no próprio combate e a falta de conhecimento do terreno um óbice à melhor utilização dos recursos alocados – quem conhece o terreno são os operacionais e os comandos de proximidade, os homens que andam no terreno. Quando há 9 meios aéreos e 600 homens a combater um incêndio e ele progride como se ninguém o combatesse é porque toda a força de combate é ineficiente (10 horas após a ignição em Garrocho, e depois de ardida toda a encosta até à Lagoa Seca, havia apenas 60 operacionais, onde se poderia e deveria ter parado o fogo, mas a essa hora havia mais preocupação com a segurança da etapa da Volta, essa festa das bicicletas que as Câmara Municipais pagam) e os seus comandos não sabem o que andam a fazer (para que serve a zona Primária de Faixa de Gestão de Combustível ou “estradão” da Lagoa Seca senão para aí atacar com intensidade o fogo). O “circo” de comando da proteção civil, com grande bulício de homens ao telemóvel, a ver mapas ou a olhar para monitores, a planificar a confusão, pode dar uma excelente imagem para as televisões, mas não passa de uma feira de vaidades de comandos descomandados, que reportam informação, mas que não gerem o combate ou apagam as labaredas que progrediram serra acima à procura do Poço do Inferno, num inferno que só os homens no terreno, heroicamente, poderiam combater. O cúmulo da falta de planeamento e incompetência foi percebida na segunda-feira quando um “Canadair” teve de ficar em terra durante cinco horas por falta de combustível… quando todos os meios eram poucos e o terreno inóspito não permitia atrevimentos à “infantaria”.
A profissionalização dos bombeiros é obrigatória e a organização do combate tem de envolver todas as partes (proteção civil, bombeiros, autarquias, ICNF), mas sempre com a direção e o comando a ser feita no terreno, localmente, por quem conhece o território. Como em Monchique, onde o fogo andou à solta durante dias enquanto as ordens se davam desde Lisboa, entre Garrocho, Manteigas ou Verdelhos a inépcia e o “esperar o fogo” foi a opção de quem sabe tudo sobre o que os compêndios dizem sobre calamidades e incêndios, mas nunca teve de pegar num ramo ou uma gesta para apagar uma fogueira.
Se todos os fogos são um flagelo, carregado de destruição e morte (a morte da natureza, da flora e da fauna), o incêndio que deflagrou numa fogueira numa aldeia da encosta este da Serra, em Garrocho, Covilhã, numa noite em que a temperatura não era especialmente alta e não havia vento, e cresceu serra acima, consumindo milhares de hectares de um Parque Natural, património UNESCO, tão sensível, queimando e destruindo uma reserva de biodiversidade extraordinária, chegando ao Vale Glaciário do Zêzere, tem de deixar muitas perguntas no ar… A reflorestação é urgente, mas deve ser feita corrigindo erros e promovendo a vigilância e as acessibilidades e a qualidade ambiental. Como aqui escrevi a semana passada (https://ointerior.pt/opiniao/o-portugal-de-sempre/) é preciso gerir a natureza, promover uma economia rural sustentável e pagar às pessoas que queiram viver no campo e na serra, porque sem pessoas (sem pastores, agricultores, lenhadores, guias, ambientalistas, vigilantes…) as serras estarão sempre à mercê das contrariedades da natureza ou da irresponsabilidade dos homens. A sustentabilidade ambiental é determinante para contrariar o flagelo dos fogos.

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Luís Baptista-Martins

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