Cultura

«Primeiro estranhou-se, mas agora o SIAC está a entranhar-se»

Escrito por Jornal O Interior

«Pedro Cabrita Reis, José Pedro Croft, Rui Chafes e Zulmiro de Carvalho veem na Guarda uma forma de promover o seu trabalho, reconhecendo o estatuto da cidade no campo das artes.»

P – Qual é a importância do Simpósio Internacional de Arte Contemporânea para a Guarda?
R – Ao longo dos anos a Guarda afirmou-se em termos culturais e quisemos que essa marca pudesse transportar a cidade para um patamar de desenvolvimento e para uma dimensão maior, além das nossas fronteiras. A cultura é uma forma justa, adequada e acessível para o fazer e penso que soubemos escolher as pessoas certas para o conseguir. Não fomos nós que desenvolvemos a cultura na Guarda, mas diferenciámos, fomos inovadores e criámos novas formas de projetar a cidade, como este Simpósio Internacional de Arte Contemporânea. No início deste projeto poderíamos ter algumas dúvidas, como é normal, por envolver várias áreas artísticas e criadores portugueses e estrangeiros, mas conseguimos ao longo destas edições provar que era a aposta certa e que foi ganha.

P – Com o SIAC chegou-se a novos públicos?
R – Temos tido a presença de nomes importantes das artes portuguesas e internacionais, mas o Simpósio aposta fundamentalmente em aproximar a produção artística dos guardenses e da comunidade. Durante vários dias os artistas estão a trabalhar na rua e o cidadão tem a oportunidade de assistir, é uma forma de educação cultural. E, de 2 a 16 de junho, quem vier à Guarda vai poder ver in loco essa criatividade.

P – O que destaca na edição deste ano?
R – Desde logo o aumento do número de artistas presentes, depois a procura de novos espaços expositivos e de trabalho. Este ano o evento vai desenvolver-se em diferentes áreas, com destaque para o antigo Cine Teatro. É um edifício emblemático da Guarda e onde muitas gerações de guardenses fruiu cultura e atividades sociais e políticas. Estava encerrado há mais de 20 anos, a degradar-se e devoluto, mas foi reabilitado pelos proprietários permanecendo apenas a estrutura e nós conseguimos dar-lhe vida através da arte. O SIAC é, por isso, também uma oportunidade para olhar para aquilo que está mal e torná-lo útil, funcional. Assim, a partir de 2 de junho, vamos ter no antigo Cine Teatro artistas a trabalhar, a contactar com as pessoas, mas também exposições. E isso num espaço que julgávamos não ter outra solução porque não tem infraestruturas mínimas de segurança, de conforto. Já manifestámos aos proprietários a disponibilidade para realizar outros eventos da mais diversa ordem.

P – E está também prevista a aquisição do imóvel?
R – Não, porque temos bem definido na agenda do nosso investimento os projetos de futuro e que consideramos determinantes para a projeção da cidade.

P – Mas houve algum contacto, o edifício está à venda…
R – Não. Conhecemos o espaço, aliás, houve uma intimação administrativa para que os proprietários tornassem o edifício mais salubre. Os donos, reconhecimento lhes seja feito, estiveram sempre disponíveis para desenvolvermos ali outras atividades, sendo que a integração no SIAC foi acertada de imediato e facilmente protocolada.

P – Voltam a apostar no alargamento do simpósio a municípios vizinhos, nomeadamente à localidade espanhola de Mogarraz. É para dar dimensão regional ao evento?
R – Essa dimensão regional também demonstra muito a nossa forma de pensar e agir. A Guarda tem em mãos esse grande projeto da candidatura a Capital Europeia da Cultura em 2027, que queremos que ganhe cada vez mais força e dinâmica. Percebemos desde a primeira hora que era importante não ser uma candidatura da cidade, mas de um território com potencialidades e características diversificadas.

P – É, de certa forma, um “laboratório” para a Capital Europeia da Cultura, no sentido de envolver outras instituições e apontar um caminho para 2027?
R – Sem dúvida que a experiência e o conhecimento que se adquire desta interação vai ser um fator que vai alicerçar de forma evidente as nossas particularidades, as nossas vantagens em termos de comparação com outras cidades candidatas. O território, a inter-relação das várias dinâmicas que existem no distrito da Guarda ou na Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela, mas também na vizinha Espanha, são elementos que podemos carrear para a candidatura da Guarda e também para o Simpósio, que tem uma dimensão internacional.

P – Em 2018 Paula Rego foi a grande referência do SIAC. Este ano evocam Sophia de Mello Breyner e conseguem ter quatro exposições de grandes nomes da escultura e pintura contemporânea. É este o caminho para o simpósio, ter uma relação com as grandes figuras da cultura nacional?
R – Somos território português e também temos que ter acesso àquilo que de melhor se faz em termos artísticos. Temos contado sempre com a disponibilidade dos nossos grandes artistas nas mais diferentes áreas. Pedro Cabrita Reis, José Pedro Croft, Rui Chafes e Zulmiro de Carvalho estão nesse nível e veem na Guarda uma forma de promover o seu trabalho, reconhecendo o estatuto da cidade no campo das artes. A sua presença valoriza muito qualitativamente o Simpósio e vai contribuir de certeza para projetar o evento e atrair visitantes. Com esta aposta, estamos a tornar acessível arte de grande qualidade a públicos que muito dificilmente teriam contacto com ela.

P – E o que tem ganho a Guarda com o SIAC? Qual é o balanço das edições anteriores?
R – Acho que hoje já ninguém é indiferente a este Simpósio na Guarda. Vamos na rua e vemos uma exposição de fotografia. Vamos a espaços verdes e temos uma escultura, também nos espaços museológicos da cidade podemos contemplar obras artísticas diversificadas. Nesse sentido, a proximidade da arte às pessoas tem um valor, qual não sei, mas não tenho dúvida que o investimento que fazemos no Simpósio será catalizado pela dimensão qualitativa dessas ações. Por vezes, a análise que queremos fazer do custo-benefício não é determinante para aferirmos da importância de determinadas iniciativas, designadamente das culturais.

P – Pode então dizer-se que o SIAC é um recurso importante para a promoção da Guarda e para a qualificação do espaço público?
R – Não duvido. Hoje, olhamos para a arte urbana, as gravuras digitais que estão afixadas nas paredes das ruas da Guarda, o próprio jardim onde estão depositadas algumas das esculturas produzidas em Simpósios anteriores, e vemos que são espaços que são usufruídos pelos guardenses e pelos turistas. Se não fosse este conjunto de ações não teríamos a veleidade, a ambição, de definir outros projetos maiores. É porque construímos de uma forma sólida estas ações que vamos pensar com mais abrangência a candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura. E todo este projeto, caso seja validado, terá financiamento europeu e nacional para corporizar as diferentes ações culturais, mas também as intervenções necessárias em edifícios e no espaço urbano. Se a candidatura for aprovada teremos, de forma palpável, uma consequência financeira que trará mais vantagens para a cidade e mais bem-estar para os munícipes. Se não tivéssemos o SIAC e esta capacidade de realizar outros eventos, como é o Salão de Outono e a ação do museu em atrair obras que nunca tinham sido expostas ao público, caso dos desenhos de Santa Rita Pintor, provavelmente não pensaríamos em candidatar-nos a esta capitalidade europeia.

P – Qual é neste momento o valor do espólio de obras produzidas no SIAC e doadas à cidade?
R – Em 2018 foi divulgado um valor que se situava à volta do milhão de euros, isto tendo em conta uma avaliação dos próprios artistas.

P – Qual é a dinâmica que o município pretende para o Campus da Arte Contemporânea?
R – Temos muitos projetos e farão mais sentido quando essa rede estiver toda “cosida”, quando houver uma verdadeira articulação. Falamos da Via Pictórica, que nos conduz pelas ruas da cidade, do Campus da Arte Contemporânea, dos percursos vergilianos, dos percursos pelo património da cidade, dos espaços museológicos que queremos revitalizar, com destaque para o Museu que está em constante crescimento e para o futuro “Quarteirão das Artes”.

P – Justamente, como está esse projeto?
R – Temos que pensar em grande, mas fazer à nossa medida e ponderando caso tenhamos, ou não, apoio da União Europeia. Ainda não conseguimos “encaixar” este projeto, que já está feito, nos diferentes programas comunitários, mas será implementado via fundos comunitários ou com os apoios que resultarem da aprovação da candidatura a Capital Europeia da Cultura. Se a Guarda for escolhida, a obra teria que arrancar a partir de 2021.

P – Nesse quarteirão há um velho problema chamado Museu de Arte Sacra. É intenção da Câmara de fazer reverter o espaço cedido à diocese por continuar fechado?
R – O Bispo da Guarda garantiu-me que o Museu de Arte Sacra iria abrir, mas não com peças expostas. O espaço terá uma base tecnológica muito grande, pois toda a arte sacra da Diocese estará disponível para consulta e pesquisa num formato digital. Só não sei é quando vai abrir, sendo que a intenção do município é que todo aquele quarteirão seja para atividades culturais. O que não queremos é que o Museu de Arte Sacra esteja fechado, devoluto, pois também esta arte pode prestar um belo serviço no âmbito da candidatura a Capital Europeia da Cultura.

P – Qual é a sua expetativa relativamente a esta edição do SIAC?
R – A experiência que temos tido é que cada vez mais as entidades vão percebendo o dinamismo que vai sendo criado e o envolvimento dos municípios e das diferentes associações é mais evidente. A articulação com Celorico da Beira, Belmonte e Foz Côa, que tem tido uma estreita relação com as opções culturais da Guarda, pesará positivamente na avaliação da candidatura a Capital Europeia da Cultura. Numa primeira fase podia-se estranhar, mas eu diria que o SIAC está agora a entranhar-se.

P – Levar o SIAC até Mogarraz (Espanha) e à Covilhã já é sair um pouco das fronteiras da região.
R – A ligação à Covilhã é importante porque é uma cidade que tem um dinamismo próprio, tem uma universidade e tem tido uma atividade cultural intensa e o que é bom para a Covilhã ou para a Guarda deve sê-lo reciprocamente para todos os concelhos da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela. Isto de ter um espírito bairrista, de pensar que sozinhos conseguimos atingir metas de desenvolvimento como outros territórios da Europa, não é viável. Quanto mais interagirmos, até a nível transfronteiriço, e mais complementarmos o território nas diferentes áreas de desenvolvimento melhor e mais eficaz será a ação dos municípios.

P – Qual é o orçamento para o SIAC deste ano? Com que apoios conta o município?
R –É de cerca de 115 mil euros inteiramente suportados por recursos próprios da autarquia.

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